Ao Doce e Perigoso Saudosismo das Manhãs

É quando o orvalho que cobre a noite

Cai, gota serena a escorrer pelas folhas,

Que o sol dentre as nuvens reflete o que é belo;

É quando teus olhos se abrem ao vento

Que sei como a rosa enxerga o jardim.

Na fonte que nasce e que corre na serra,

Sinto o teu cheiro passando por mim.

Em meu coração encadeia-se o elo.

Brotam frutos de puro acalanto.

A brisa que à sombra beija e balança.

Passa ligeira e me leva a pensar...

Caminhos que correm, estradas que chegam,

Um beijo, um abraço, um suspiro profundo...

Minhas mãos que buscam ser livres

Seguem os mapas das linhas do teu corpo.

O amor é máquina a mover o mundo;

Teu beijo é sangue a pulsar minha vontade.

Já no recanto embalo que vai, rouxinol

Passou por aqui e partiu sem razão.

Também eu sou da floresta,

Sou órfão, filho de pai tempo e mãe certeza,

Primo do orvalho e neto das folhas secas,

Sobrinho da saudade que a sombra da brisa alcança.

Do amor que tive com a rosa

Nasceu, na fonte, o futuro.

E jaz na serra; corre o presente.

Liberto no instante a partir da razão,

Desperto nas asas do rouxinol,

Incerto nas nuvens que mancham o céu.

Mesmo assim, pousou por aqui.

No amor segui contigo e com futuro,

E ele partiu, como o cobre das noites,

No doce e perigoso saudosismo das manhãs,

Que veio levar tudo o que o vento criou,

Como calou do papel a caneta,

Que agora é som e rouxinol em outra floresta.