ENVELHECEMOS, EU E AS RECEITAS

Era muito bom ficar

um par de horas

Tecendo em linhas

Num caderno comum

Encapado em plástico

Num xadrez vermelho

Nomes, ingredientes,

modo de fazer

De receitas

Que eu iria fazer.

Básicas ou especiais

Todas bem saborosas

Que alimentavam

O apetite

De crianças e seus pais.

Eram bolos confeitados

Chantillys e recheios

Pratos de forno,

Que ficariam dourados

No tempo de cozimento.

Juntava uma a uma

Receitas vindas

de um cotidiano

Repletos de gargalhadas

Sorrisos

E também de tristezas.

Talvez, ali depositadas,

Transcendessem

Um tempo

Onde esperava-se

Melhores dias.

Os dias chegaram a meses

Depois anos

Décadas...

Algumas adquiriram status

De estarem sempre a mesa.

Outras, esquecidas,

Só acompanhavam

A vida da casa.

Crianças cresceram

Adultos envelheceram

O caderno desatualizou-se.

Parece que ele envelhecera,

Como nós.

Não há mais aquela mão

A detalhar

Na escrita primorosa

Como deliciar

Em dias de festas

De chuva

Ou frio

Uma família que crescia.

Olho, com um suspiro,

Aquele que fora

O melhor alento

De dias cansados.

De noites acordadas

Espreitando os quitutes

Para não perderem-se

Os pontos.

Ele jaz em meu colo

Não abandonado

Mais que um retrato

Amarelado

Não uma sombra do que fora

É como uma das rugas

De minha face e mãos.

Faz parte.

Mesmo parecendo diferente.

Milena Medeiros

06/12/2020

21:45h - 22:09h

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Milena Medeiros
Enviado por Milena Medeiros em 06/12/2020
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