A volta de um amor de infância
O corpo preenche-se de ares indefinidos.
O peito desfolha em cores lívidas, plangentes, inaugurando uma híbrida manhã; chuvosa, mas viril, intensa, absolutamente viva e penetrante.
São os raios de outrora rompendo os céus nublados de então, enfurecendo e vociferando às amarguras, às dores rotineiras, às mágoas que já não pulsam mais.
No meio da exaustão dos dias crescidos, você irrompe pela minha tela e me traz as lembranças infantes da sua voz tímida, de seus passos tortos, incertos; seus cabelos pesados alçando voo em brisas pueris, reconstituindo as trilhas disformes onde me perdi ao longo dos anos.
Suas decisões indecisas, pretensiosas, mas indefinidas; sua presença sensual e exordial - o mais perfeito e irretocável antecedente.
A vida, implacável, te levou a um lugar desconhecido, a uma casa onde já não moro, a uma rua onde não caminho. A marcha do tempo pulverizou o teu corpo, restando imaculada, da tua presença, apenas o mistério. A tua substância deixou impressa nos meus dias tão somente a significação dos teus toques, dos teus dizeres imaturos.
A epifania da tua chegada reconstruiu a virgindade doce dos meus dias tenros, a novidade da chuva dos anos passados, do mato verde marcado no orvalho, do caminho igual, comum, mas sempre o da descoberta.
Trazes o mistério profundo da minha ânsia, a nascente do meu rio, o jorro da minha vontade.
Eis você, pássaro intrépido: o meu primeiro sol de janeiro.