Qual de nós já pode estar infectado ou qual de nós será o primeiro?

E de repente tudo parece nada. E as teorias? Para que servem agora quando a ameaça não é simbólica? Eu me recuso a lê-las agora porque diante do real, elas simplesmente não me ajudam. De que vale o saber quando o inimigo está ameaçando adentrar a porta? Trancafiada com mais quatro, não sabemos quanto tempo a comida durará e nem qual de nós já pode estar infectado ou qual de nós será o primeiro. A coisa avança irrefreavelmente. Queria saber notícias do Lobo, o qual antes era branco e reivindicou sua identidade de guará. Não posso lhe contatar porque, a loba preta reivindicou sua posse... Ela o ajuda materialmente. Eu lhe dava tão somente poções mágicas que as vezes lhe causava o mesmo efeito que o êxtase ou a morfina.

Agora é irrevogável. Tudo é incerto. Desejo aos três que estejam seguros. Penso que ficarão bem. Eu não tenho saída a não ser o Sertão tão... tão distante, que por muito recusei. Lá, nos anos 30, houve uma seca avassaladora e o povo daquele homem que fugiu para não ter que seguir com Hitler, sobreviveu! Agora lá tem água e grãos em abundância. Ao chegar, deitarei naquele barro vermelho que breve mudará a cor de meus calcanhares...

Preciso esperar um pouco. Estou em quarentena. Não posso expor única mulher que está dando continuação à tradição da lavoura naquelas terras... Tão forte, tão bruta! Hoje é 21 de março de 2020 no último mundo que passei. Nunca foi fácil, nunca! Nossa luta maior, acima das teorias, sempre foi pela sobrevivência. O palhaço macabro está fazendo menos raiva porque agora o imbecil está diante de um inimigo real. Antes, eram somente comunistas imaginários e uma legião de gado midiático. Um gado filho das telas, das notícias falsas, do machismo, da ignorância, da verborreia... E agora, que não posso partir? Estou a tossir e nesse mundo aqui, eles fabricam tanto os males quantos as curas e as vendem. Lutando sempre a priorizar a sobrevivência, não foi possível dar contas das ciências substanciais...

Retornarei, a ultima folha que me resta, para dizer a última coisa que couber... talvez, eu me perca no meio do barro e dos pintos. Haverá mocofaias em demais para arrumar ao chegar, para ter um canto em que seja possível escrever, pois, caso sobrevivamos, não posso ficar devendo o que investiram para eu pesquisar como o sujeito se inventa. Aiii! E como é difícil diante de um inimigo real que se mostra inalcançável pela linguagem!? Aí está uma questão a ser pensada lá... O meu amigo Augusto fora um inimigo que nada de mal fizera. Quisera a justiça, somente. E como a história se repete. Me lembro quando eu fui queimada viva na idade que chamam de média. Nada sabem do tempo. Fui queimada tantas vezes. Ora por propor que a terra fosse redonda, ora por fazer chás, quando não, porque algum jovem enlouqueceu por olhar os meus olhos e enlouquecer pelo desejo que não podia explicar e por não saber como não me encontrar todas as noites em dois mundos, me condenara. Dissera que o meu cheiro não saía de suas narinas e que todas as noites eu o visitava contra a sua vontade. Um homem de Deus, que temia sua mão pesada. Eu vi como sua morte fora medíocre. Quando sentira a morte sugar-lhe o ar, defecou-se e urinou-se! Na noite anterior clamara para que o seu Deus o salvasse, mas, não conseguira receber do mesmo beijo que Deus me dera. Eu me dei todos os meus desejos, e agora, não sei como será nas próximas semanas, e, esse resto aqui, talvez não dure por conta do pulmão cinzento que abriga mais cinzas que sangue. Se tudo é nada, não, eu não me arrependo de nada.