Eu ainda me lembro

Eu ainda me lembro e me sinto inútil por isso. E sou o maior culpado por permanecer estagnado nesse sentimento. Todos os dias de manhã, quando vou escovar os dentes eu me lembro dela. Sua escova de dentes ainda está lá e eu sempre a pego por engano. Ela também é verde e o verde era a cor do nosso amor.

Eu sempre pego a escova dela e lembro da mania dela – aquela louca mania – de escovar os dentes duas, três vezes, porque sentia que o dente estava sujo e eu sempre implicava: você vai estragar seus dentes com tanta escovação. E ela retrucava: você quem vai, cê não escova os dentes.

Eu lembro dela porque sempre ao abrir a gaveta da minha mesa de trabalho o porta-retratos com nossa foto está lá, guardado, esperando o dia que voltará para a mesa quando ela voltar, mas ela não volta.

Ela já foi, seguiu em frente, eu sei, ela já ama outro e ainda ainda estou aqui, me lembrando, porque, sempre ao abrir minha gaveta pra pegar uma cueca ou meias, eu vejo a caixinha com nossas alianças, que eu sempre penso em derreter e fazer um pingente, mas que nunca tive coragem de cometer tal atrocidade contra nosso amor, que já nem existe mais, mas que eu nunca esqueço.

Eu ainda lembro porque ela está no meu armário e eu sempre a vejo naquela camisa minha que era sua favorita e ela me devolveu no final e eu nunca mais consegui usar. A camisa fica lá, no meio das outras eu sempre a vejo.

Eu não esqueço porque ela está em todos os meus poemas, que já escrevi e escrevo, mesmo que eles não falem dela. Ela sempre está nos poemas porque sempre me incentivou a escrever, sendo a musa ou a crítica.

Eu já não escrevo como antes, mas, quando faço, ela está em cada verso. Eu ainda não esqueci porque além de estar nas minhas palavras e em vários objetos em minha casa, ela nunca foi embora da minha morada. Ela vive nas minhas lembranças, ela habita no meu coração. Eu não queria, mas ainda lembro e eu sou o culpado disso. Eu nunca de fato deixei ela ir. Eu ainda lembro porque ela escorre de meus olhos em cada noite de insônia em que me sinto solitário. É, eu ainda lembro, mas um dia espero me lembrar de esquecer.