Existe um certo prazer em sentir saudade.

Foi inusitada a viagem de retorno a Carangola. Depois de algum tempo distante, senti emoção em caminhar pelo calçadão do centro, e chegar até a praça onde o pensamento traz muitas recordações.

Havia a transitar estudantes com suas mochilas, alguns que no fim da noite estavam a bebericar em um dos bares da cidade. O mais cheio era o "café mexerica", nome curioso mas que tem um ótimo cardápio.

O Hotel Central ainda está ali,com seu prédio de pé direito alto com seus janelões que lembram as casas antigas de Ouro Preto, mas a confeitaria "Paiva", onde reuníamos para lanchar e tomar sorvete, a muito tempo só existe na memória. A caminhada segue até a charmosa praça onde podemos sentir o aroma da Dama da noite.

Olho atento para o prédio da esquina, onde vem a imagem do menino que ficava na janela mexendo com quem passava e fazia traquinagens, como jogar bolinhas de papel nos desavisados que olhavam assustados para a sacada e gritavam:

-Vou falar com sua mãe, moleque.

Voltar no tempo causa indefiníveis sensações, a praça ainda está lá, a cidade cresceu para cima, ao redor é possível ver alguns prédios mais altos, mas existe ainda um rio que corta a cidade que em tempo de muita chuva causa transtornos com grandes alagamentos. A carrocinha do cachorro quente e da pipoca ainda estão presentes no mesmo lugar de outrora. Os bancos da praça ainda servem para encontros de casais namorados e de amigos para a prosa do cair da noite.

Ali em um desses bancos um dia minha mãe se sentou para que eu já adulto tirasse uma fotografia para registrar, que me inspirou escrever o singelo poema chamado "fotografando minha mãe" que dizia assim:

Fotografando minha mãe

Contemplando

no banco da pracinha

em Carangola,

minha mãe

calmamente

aguarda,

quando digo:

-Mãe

vou tirar a fotografia,

olha

sorria.

Sem demora

(vaidosa que só)

ela responde:

-Espera, vou arrumar o cabelo.

(Abre a bolsa

retira o pente

e se ajeita

sorridente.)

Somente então

registro o momento.

O dia em que minha mãe

(Na praça da cidade onde nasci)

Fez pose de causar inveja,

a mais experiente das modelos...

Com este poema, fiz um quadro com a citada foto.(Minha mãe chamava máquina fotográfica de "kodac", hoje o celular faz a vez, tirando centenas de fotos por minuto.) Ela colocou o quadro na sala da casa da roça, onde ele está até hoje.

Continuo minha caminhada sentindo o perfume da dama da noite, Carangola não é só um retrato na parede, como diria Carlos Drummond de Andrade, estar aqui me faz transpirar nostalgia. A realidade pode ser cruel pela falta de pessoas, mas as lembranças soam como uma homenagem a memória dos que transitaram por essas ruas.

Tenho certeza que existe um certo prazer em sentir saudade...