A Morte do Poeta.

Uma semirreta viscerosa guiava-me a caminho de lugar algum.

Meus pés calejados pisoteavam farpas de rosas negras

E deixavam para trás um rastro quase simétrico de sangue gélido.

Um nevoeiro inexorável tomava conta de meu horizonte,

Os arboredos mortos me espiavam no canto de seus olhos e sussurravam entre sí;

Mas encontrava-me surdo e sequer os podia escutar.

Eu estava ébrio de melancolia,

Andando errôneo na esperança de aproximar-me da morte.

Um palmo à minha frente, nem isso conseguia enxergar;

O branco véu da vida alegorizado por pérolas negras ria de mim;

Nada me restara, senão meia garrafa de vinho e um crânio oco.

E depois de tanto andar, quando já não havia sangue para expelir

— Ou lágrimas para chorar — Encontrei meu sepulcro, e debruçei-me lá.

A pálida face da estátua de gesso encarava-me de cima para baixo,

C'um olhar ácido e agonizante que perfurava minh'alma.

Chovia, e cada lágrima do céu cinzento terebrava minha carne como uma navalha;

Naquele momento, minha eutanásia! surtos de lembranças dominavam minha mente,

O murmurar das memórias ecoava em meus ouvidos, e os faziam sangrar;

Cada mal amor, cada morte e cada pecado, eu os revivia todos de uma vez,

E quando cessou-se este ataque de humanidade eu finalmente estava morto;

Pálido sobre meu túmulo com as mãos sobrepostas ao meu corpo.

Talvez este tenha sido o único momento de felicidade sincera que eu tivera até então.

Morrer foi o maior prazer deste poeta cinzento.

Raul Brasil
Enviado por Raul Brasil em 06/12/2019
Código do texto: T6811982
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