Diálogo com a Vida

Oh, minha vida, já te esqueço. A noite é profunda e eterna, o cansaço me pesa o corpo. Receio que...

Há muito deixei o lago de minha pátria em busca do sol que gira, sem girar, em torno do abismo celeste. Caminho solitário em busca do meu sol, minha vida, minha felicidade.

- Cala-te, meu menino. Nem mais uma palavra. Ainda é moço para mim, apesar de sua coragem e sabedoria de homem. Tu te arriscastes e partiu sozinho, ainda que inebriado pelo seu fulgor juvenil. Honro-te por isso, mas ainda é demasiado romântico, não me atraem esses seres iludidos, não gosto de homens que dramatizam demais sonhando acordados com imagens que de mim fizeram ao longo das eras. Ainda não te tornas-te suficiente duro para aguentar as ondas de minha realidade. Ainda não tornou-se diamante. Paciência...

Ah, minha Vida! Viestes ao meu socorro? Bem ao longe ouço sussurrar-me. Por que não se aproxima?

Tenho peregrinado pela alma em busca de ti, com sede e ânsia de encontrá-la, maldizendo tudo que lhe calunie. Pois só Tu é pura para além de bem e mal.

- Não venho em teu socorro. Que importam os malogrados! Apenas não suporto ser ignorada. Observai as sombras que passam, como correm atrás da luz. Não rasteje, meu pequeno príncipe. Deixe brilhar o sol brilhar em você. Nem no passado, nem no futuro poderá me encontrar. Eu vim pois cansas-te da sua busca. Um instante você parou. Não continue a correr atrás de sua sombra. Eu estou onde você está.

Meu coração se enche de alegria ao ouvir suas palavras. Oh, deusa dos deuses!

Agora compreendo: no início está o fim. Não sou nunca o mesmo, mas estou sempre em meu lugar.

Ah, que silêncio ecoa do abismo estrelado! Em teu silêncio está toda verdade. A Vida abriu-me os olhos para a Vida. Mas, o quê! Ainda não posso tocá-la?

- Tivestes apenas uma contemplação da verdade, e teu coração já arde cheio de novos desejos. Eu sei que me deseja; também sabia que não se daria por satisfeito em apenas contemplar-me. Queres entrar no Jogo? Saiba que sou muito disputada, mas só os guerreiros me agradam, pois só eles são capazes de me domar. A força você já tem, mas não seja indelicado, não queira me ver nua, só me apresento vestida de estrelas e céu - o pudor é minha modéstia. Me assusta os dogmáticos; os friorentos me enregelam; os poetas me iludem; os santos me deixam nua; os artistas me confundem; os filósofos me invejam - só os guerreiros se aproximam como me agrada: com coragem, delicadeza, seguros, inocentes e alegres; apenas isso me excita. Ah, e não se esqueça do chicote...

Suas palavras me encorajam, meu vigor cresce como um anseio orgásmico. Derramo desejo por ti; anseio por tirar seu mel. Um dia você há de ser minha, toda entregue, submissa, e te ouvirei dizer no meu ouvido: peça o que quiser, meu senhor...

- Teus sonhos me agradam, meu querido. Mas como pretende aproximar-se de mim se ainda é tão tímido - apesar de ficares bonito assim? Só os confiantes penetram no meu útero, pois a realidade não lhes envergonha. Só o homem fecundo pode me fecundar. Se queres dominar-me, deves aprender a dominar a si mesmo, e antes e além de tudo, a ser capaz do mal.

Tens vergonha? Ainda não é inocente o bastante para não se envergonhar de sua malevolência, a vontade de dominar. Agora que já sabe onde me encontrar, basta aprender a dominar, pois uma verdadeira mulher quer ser conquistada, e por direito ser sua.

Fiódor
Enviado por Fiódor em 05/09/2019
Reeditado em 26/04/2020
Código do texto: T6737834
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