Frutos de outono

Conversamos por certo tempo. Ela sofrida, ferida, traumatizada, cercada de parasitas. A deixei falar pelo tempo que foi necessário. As vezes nascemos em lugares que nos são tóxicos, nocivos. Vamos voltar ao início, pensei eu como um psicólogo. Vamos buscar as raízes do problema. Sabe aqueles dias que você sente fome mas não quer comer? Ou quer comer mas não tem forças para pegar a comida? Falta um sal, um tempero. Não na comida, mas na vida. E que tempero seria esse? Seria uma espécie de catalisador. Um estimulante. Um algo mais que te faz bem. E pode estar ali, mesmo que invisível ou distante.

Um pouco de carinho afofa a terra e torna mais visível o que já estava ali, mesmo que entre as pedras. Micélios fúngicos são como linhas telefônicas. Mais que isso. São como correios; trazem e entregam pacotes. Retirei dela os parasitas. Podei suas tristezas. Lembranças de morte e maus tratos que lhe pesavam a copa e lhe enfeiavam a alma.

Então ela adormeceu. Por dois anos sonhou novos tons de verde. Esperança ao vento. Fechou suas cicatrizes. Fortaleceu sua base. E fomos conversando. Sem pressa. Sem cobranças. Por dois anos.

Hoje a visito quase todos os dias. E está linda. Levanta os braços para os céus quando me vê. E acena para mim. E me chama para ver seus frutos. Belos, lustrosos e saborosos! Centenas! E os oferece a mim. Frutos do meu carinho e cuidado. Mas as formigas estão sempre rondando... Não sei por quanto tempo estaremos juntos. Mas não nos preocupemos... Vamos aprendendo que o melhor das melhores viagens é o caminho, e que chegar, na verdade é apenas uma parada, uma estação; outono. Época de tangerinas.