Todos os assassinos se deleitam com meu silêncio

Tenho algo a dizer. Mas, tão logo penso em dizê-lo, sou possuído por um pudor desmedido. Prudência ou covardia? É a virtude que engendra o vício ou o contrário? Ah, se pudesse romper a barreira invisível que me impede de urrar como um cão agonizante as verdades que trago apertadas ao peito!

Mas me calo… e, calando, dou aval a todos os tiranos deste e dos outros mundos. Todos os assassinos se deleitam com meu silêncio. Não há facínora que não sorria com júbilo vendo esta minha boca fechada. Nela não entram moscas; dela não sai nada.

Faço um esforço. Busco na minha memória já gasta aquelas palavras que estiveram prestes a sair e agitar o ar em ondas que viajariam sem sentido até que pudessem ressoar em ouvidos humanos… para encontrar outra vez algum significado. Porém, não as encontro mais. Em meio às cem mil vozes que gritam em minha cabeça, já não encontro a minha. Foi abafada, sufocada, a voz da minha infância. Como, então, gritar? Seria outro. E os que me ouvissem, pensariam que sou o fulano ou o sicrano. E como eu poderia provar que aquele que está ali a berrar sou eu, autenticamente eu, se eles me vêem outro?

Já não posso dizer nada. Seria um erro. É tarde demais.

E se acaso me pedissem? E se viesse a mim toda a gente, implorando por uma palavra, por um gemido meu que pudesse redimi-los? E se, de repente, em meio a ovações, ordenassem: “Vai, é tua hora, fala!”…

E eu, em silêncio, idiotizado, com milênios de gritos congestionados na garganta, com os olhos vidrados num misto de ódio e misericórdia… eu abriria um sorriso amargo, cerraria os punhos num gesto revolucionário e, enfim, diria triunfante: “vão à merda!”