Desculpe, amigos.

Ultimamente, pelo menos é o que parece, e o que parece de forma alguma é confiável em qualquer tempo da vida, tenho sentido coisas que não consigo colocar em palavras. Isso, de longe, já conhecemos da nossa subjetividade: quantas vezes, qualquer um de nós, sentiu algo que simplesmente não conseguia dizer? E nem é por falta de alguém para simplesmente “vomitar”, mas sim por falta da matéria palavra. Naquele instante, estamos a descobrir algo novo – pelo menos, a nós, ingênuos.

Tenho revisitado minha vida desde sempre, e conforme já expressado, o meu passado não é um peso. Já foi. O fato é que o passado está voltando. E a volta está sendo inexpressível. Junto a mim, brota um sentimento pelo qual nunca tive apreço, mas, segundo as bocas populares julgadoras da vida alheia, e no caso alheia é a minha, eu alheio a mim mesmo, eu sou a indecisão. Quero e não quero – sou e não sou. Nesse caso, querer é ser.

Fui uma criança muito estranha: a vida nos faz estranhos assim como o nascimento. A forma e a estrutura não eram já muito aparentes e, de qualquer jeito, fui uma criança razoavelmente feliz. Houve uma fase de minha vida, hoje com alguns anos de psicólogo, estudos de psicanálise e um olhar menos julgador a mim mesmo, já resolvida, mas houve uma fase na minha vida em que fui uma criança extremamente mentirosa. Mentia descaradamente. Se pudesse mudar, mudava. Mas mudaria tanta coisa, que se fosse o caso, não seria nem Estéfano-per-si.

Lidar com a volta das pessoas para as quais eu menti e fui tão desleal e extremamente inconveniente me leva a um lugar que não quero estar: lugar que já foi. Espaço e tempo. Ter que lidar com essa última visão, visão de 2004 que se tem sobre mim me deixa em frangalhos. Cansa e não transforma. A vergonha é a maior barreira que devo transpor. Assumir a mim mesmo que eu já fui e não sou. E o fato de ter sido, por mais triste que possa ser, também nem existe mais.

Desculpe amigos, por ter sido quem eu fui. Queria ter sido diferente. Estar sendo é reconfortante, pelo menos para quem tem que lidar com fato de que a vida é decepcionante. Diante disso, me sinto como um paralítico com sede olhando um copo de água. É uma ira sem fim que me toma: e não poderia ter sido tudo diferente? E daqui 15 anos, olharei esse Eu com a mesma revolta que olho a mim com 10 anos? Será que devo não me olhar? Percebo então que, o que antes havia tratado como ira, é outra coisa. Além de paralítico, eu sou mudo. Então não é só cólera? Não, é tristeza também.

Estéfano Bento
Enviado por Estéfano Bento em 15/04/2018
Código do texto: T6309443
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2018. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.