Carta aos espectadores

A rua é escura e meus passos estão à sós, com a cabeça nas próprias nuvens eu tateio meus nós. Sob direção as minhas pernas e o coração, uma caneta e papel em minhas mãos. A noite é fato no cenário abstrato que eu criei, fora isso, há um mundo ainda no desenho original do Criador com sol e tato, fôlego e Vida sem fim, eu sei.

Meus queridos, eu não assinaria contrato em que abro o mão do dia que posso tocar, nem renego tudo que há em prol de um romance NOIR em poesia. Mas eu me nego a desacreditar que a Vida mudará um dia, as sombras irão se dissolver à medida que me aproximar da fonte que desde sempre e sem cessar reluzia.

Plateia, vocês irão concordar que na ficção é belo o mistério, a expressão do requinte na cena seguinte, o traje preto num disfarce e um porte sério entrando em contraste com um scarpin e um batom carmim... E ai de mim! Se o reitero fora do papel, por fim. O desenho de uma rota da penumbra para fora é o que realmente quero.

Enquanto isso a caneta é meu laço, com ela agarro cada sonho bonito, o mais nobre do possível reescrevo, refaço. Para ver se assim gravo, mudo o sabor e excluo o travo de algum fel que eu possa ter encontrado. Reúno do amor os retratos, um pouco do que aprendi no passado, trazendo a memória que tudo para melhor pode ser mudado.

Espectadores, se a minha sombra de repente com a vossa se alinha, não é por vontade minha, sejam compreensivos e já que estão aqui, vejam para onde o espetáculo se encaminha, nesta cena não há convite para subir ao palco, se do roteiro aos ensaios não houve prévia participação, estive sozinha. Há diferença palpável para além da cortina. Ao vosso critério estão os aplausos.

Para o descanso dos olhos, anseio as suaves cores que transmitem paz, nunca é demais falar do bem-estar, do bem que se pode alcançar e das flores, enfim, não se assustar com a luz do dia, acompanhar a espontânea companhia. A maior ambição, sem dúvida, é viver em amor e não "amores", a despeito dos vossos mais que legítimos valores — respeitável público — crio em busca da essência e de me aproximar dos arremates das lições a mim propostas, destaco que dispenso qualquer protagonista para as minhas dores, pois este é um papel indigno e falso para quaisquer dos atores. Calor para o coração, alívio para alma e olhos de compreensão para aceitar os temporários e inevitáveis (aparentemente) inconvenientes da jornada, é o que desejo para mim e para os senhores!