Ventriloquismo

Quero ser extraordinário demais e talvez seja isso que me impeça de ser algo, algo autêntico, admirável e belo.

Surgi do amor entre a ambição e o banal, e me constituí assim: desejoso por demais pela glória do futuro e ao mesmo tempo paralizado pelo medo do presente. Quero explorar o maior dos abismos, quero pisar nos mais dolorosos espinhos, desenhar meu caminho com meus próprios pés... mas continuo aqui, fechado nas profundezas de mim. E mesmo assim sou incapaz de me conhecer...

Quando vou ao espelho e vejo o castanho-tristeza dos meus olhos, me desponta no coração pena, apenas, a mesma pena inútil que sentimos pelo mendigo abandonado que sabemos que não podemos ajudar...

O cinismo apossou-se de mim de tal forma que já não sei o que sinto: diferencio as lágrimas do suor, por exemplo, pelos caminhos distintos que elas percorrem em meu rosto.

A verdade, como minha mãe dizia, é que eu sou mesquinho, nasci pra ser só! Poderia o maior analista vir-me analisar, poderia freud levantar-se do túmulo, eu ainda não poderia deixar de agir de má fé, com ventriloquismo, falando sem abrir a boca.

Portanto, não adianta, meu bem. Na eternidade sisífica da existência, se você me perguntar, eu estarei sempre bem.