em sonhos

     "Tipo, e o que vem depois do viveram felizes para sempre?"
     "Nada, ué. Não vem nada."
     "Exato. Porque não há mais nada depois do beijo. Fade out."
     Seus olhos brilhavam. Aquele sorriso podia ser capaz de me cegar. Ela devia saber disso, pois me beijava em pequenos intervalos. Não quer que eu perca minha visão. E eu já não me importava. É um risco aceitável. A vontade em mim era ficar ali, para sempre, preso naquele momento, entre os ponteiros daquela hora. Ela se inclinava sobre mim. Seus cabelos não caíam em meu rosto, mas eu conseguia sentir o perfume. E ela sorria. Deus, como ela sorria. Sorria e me beijava, fazia com que eu me sentisse o homem mais sortudo do mundo. O que eu fiz para merecer isso? Se eu soubesse teria feito o quão antes possível. Teria feito diversas vezes, mais e mais, até sentir que poderia tê-la. E mesmo sabendo que isso não seria possível, eu aceito essa vaga. Porque ela é boa demais para outro qualquer.
     "Aonde você está indo?"
     "Calma."
     "O que você tá fazendo?"
     "Fica tranquila."
     Ela riu. "Volta aqui. O que você tá fazendo?"
     Fui ao notebook procurar uma música adequada. "Vem, levanta."
     "Não."
     "Vamos, levanta."
     "O que você tá inventando?"
     "Eu não tô inventando nada," quando consegui tirá-la da cama eu me inclinei ao notebook e dei play na música.
     "Que isso?"
     "É música."
     "O que você tá inventando?" sua risada era suave, como a chuva que caía fora do quarto, como suas pernas, como sua pele, que eu sentia antes de me levantar, e que eu morreria para sentir para sempre.
     "Não fui eu quem inventei. Isso já existe há um tempo. Se chama dança."
     "Besta!"
     "Idiota."
     "Não, para."
     "Vem. É assim," segurei uma de sua mão enquanto pus outra em suas costas, colando meu corpo contra o dela. Um de seus braços contornou meu pescoço, enquanto erguíamos nossas mãos.
     "Para. Você não sabe dançar," seus risos se misturavam com o violão que ouvíamos sair do alto-falante.
     "Mais um motivo para dançarmos. Vamos. Assim, desse jeito."
Se eu pudesse parar o tempo o teria feito ali. Por que temos esse desejo? Nossa imaginação corre, desesperada, quando precisamos. O carinho, o amor que queremos trocar, que achamos sermos capazes de sentir um dia, por alguém, numa tarde que pra ser perfeita precisa ser chuvosa, fria, e se possível com uma neblina. Os acordes da balada e a voz arrastada daquele rapaz do interior combinam demais com o barulho dos carros passando pelas poças d'águas. É impressionante. Assim como nós. Descobertos, desprotegidos para o mundo. Suas pernas procurando o calor de minha calça, e meu peito querendo se esquentar em seus seios, bem confortados por aquela minha camisa de flanela saída de um cenário quando o rock era sujo e feito por adolescentes entediados e deprimidos. Seus braços encolheram. Ela recostou a cabeça em meu peito, junto com suas mãos. E eu a abracei. E nos movíamos devagar, um pouco diferente da música.
     "Somos péssimos nisso."
Cleber Junior
Enviado por Cleber Junior em 22/08/2017
Reeditado em 22/08/2017
Código do texto: T6091732
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