O mendigo e a casa amarela

Na frente da casa amarela, de frente pra janela, fico a olhar ela passar. Como alguém invisível, passo despercebido por aquela, que mais parece um véu deslizante no ar.

No piano ela toca meu coração. Dedo a dedo, desenhando-me como se me conhecesse. Bobagem de um romântico que não teve sorte na vida.

Daria meu último pedaço de pão dormido para saber o nome da moça que se adorna com uma flor amarela e com a pele ensolarada dá brilho aos meus dias nublados.

O relógio de madeira quebrado na parede da sala já não me diz que horas são. Talvez ela queira que eu o conserte, queria mesmo ajeitar seu coração, mas essa é outra história que já se tornou canção.

Ela é com uma melodia que me faz sentar todo dia, de frente àquela casa, tentando ouvir seus passos através dos sinos de vento.

O sol recolheu-se, mas como bom cavalheiro deixou o brilho para sua amada clarear o breu do mundo.

Fecho os olhos e meus lamentos, minhas lembranças, aparecem como vultos atormentados que perturbam minha paz perdida, que se perde no olhar que vaga e vê tanta coisa, mas que nada enxerga.

Debruço-me sobre o chão molhado com minhas lágrimas que se tornaram meu colchão e travesseiro. Aqui, posso deitar minhas duras recordações com a paz que nunca tive. Aqui, posso descansar meus amores. Os quais tenho medo de perder da lembrança. Essa, pouco a pouco se esvai como as lágrimas do chão. Nenhuma me pertence, talvez jamais tenham pertencido, já que as lembranças são levadas pelo tempo e as lágrimas arrancadas de meus olhos sempre que lembro. Assim como este lugar, que não me pertence, todavia, me tem como pertencido.

E assim vivo, dia após dia entre o inferno de uma existência sem vida, que encontra paz num platônico sentimento que inventei para não perder o resquício de alguém que um dia fui: um romântico. Agora, sou apenas um homem invisível ou mais um lixo nas ruas da cidade.