O trem

Meu amor, eu estou indo embora. Embarco no trem da liberdade com algum torpor na alma e cicatrizes que não curaram. Tu não embarcas comigo porque és o bilheteiro desta estação, onde dantes eu estava, de pé e resiliente a pensar em tua demissão, que jamais chegará, pois arraigado estás nesta cidade! Digo, pois, que meu tempo aqui não foi em vão. Embora o vento torpe tenha me lanhado a pele, ele não conseguiu evitar o meu sorriso. Cheguei com a armadura em punho e saio tão vulnerável que o brilho do meu olhar não consegue dissimular.

Mas as luzes da estação me enfraqueceram os ossos e fizeram fraquejar o meu orgulho. Não consigo assistir impassível o vai e vem das pessoas. O vendedor de balas não me ouve quando eu chamo, o belo viajante não nota minha presença, o guardião da plataforma ignora minhas reclamações; aqui não tenho vez! Nem a senhora distraída, aparentemente perdida na cidade, aceitou minha ajuda de bom grado. Sinto-me numa eterna espera, e eu, quase invisível, preciso participar ativamente do que movimenta uma grande cidade. Aqui sou nada, uma forasteira não é bem vinda.

Já havia pensado mil vezes em partir, da mesma forma que pensei mil vezes em não desembarcar aqui, mas quando o trem chegava eu olhava para trás e via a tua silhueta, trabalhando freneticamente atrás do frio balcão e assim, não conseguia embarcar. Algumas vezes percebi o teu semblante cansado, mas a tua rotina te dá um prazer quase imperceptível. Então, perdi a esperança que jamais me deste. Assim que cheguei aqui, tu me colocaste em teu armário, mas eu não combino com essa cor pálida da madeira velha. Assim, tristemente, cruzei os braços à espera da próxima composição. E agora estou embarcando. Entrei no vagão da solidão, mas a este já estou acostumada. Há tantas pessoas que passam por aqui que já nem me incomodo quando sentam ao meu lado e começam uma conversa sem nexo.

Com dor e saudade na bagagem espero a partida do trem. Há alguns minutos, eu olhava a plataforma e achava que sentia o teu perfume. Mas era apenas minha mente traidora. Baixo a cabeça e lembro-me do presente que deixei no banco em teu nome. Um presente que tu jamais conseguirás abrir, pois a chave eu esqueci, quase de propósito em algum lugar desta cidade. Mas não há tempo, a partida foi anunciada. E breve, tu nem lembrarás que um dia aqui estive.

**10/2012. Para alguém especial que me desnudou a alma e deixou um pouco do seu amor impossível aqui. **

Branca Bey
Enviado por Branca Bey em 08/07/2017
Código do texto: T6049271
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