Uma voz

passado, como uma tempestade severa,

Deixa somente escombros em seu rastro.

Nas ruínas, busco os cacos de minha essência,

Numerosos demais para uma reconstrução rápida,

Num tempo que me escapa como areia entre os dedos.

A mente, ave selvagem, anseia por céus não mapeados,

Enquanto a carne luta contra suas próprias correntes.

O mundo chama por um eu que já não mais reconheço,

E uma voz interna ressoa com frieza e distanciamento.

Nas fronteiras da razão, meus pensamentos dançam,

Calma! Não há perigo, apenas a oscilação de uma alma inquieta.

A voz, engenhosa e dissimulada,

Se rende, paradoxalmente, à sua natureza faminta.

Culpar instintos seria ignorar minha capacidade de escolha,

Dentro dos limites que minha consciência consegue entender.

A fé, então, torna-se um labirinto.

Deus, para onde fugiste?

Arrancado precocemente de tuas graças,

Fiquei com uma inocência agora desgastada.

"Não confie em ninguém", ressoou o conselho do teu povo.

Quem dará crédito às minhas palavras agora?

Minha alma está tecida em desconfianças.

Não odeio, nunca tirei uma vida,

Mas a adrenalina de desafiar o proibido me seduzia.

Essa voz interna, no entanto, é minha maior vergonha.

Se pudesse, dela me libertaria, mesmo que custasse minha vida.

Suicídio como pensamento, uma fuga, um grito no vazio.

Vivo, mas morto por dentro, temendo tanto a vida quanto a morte,

Agarrando-me a promessas vazias de segurança.

A voz, selvagem como uma fera encurralada,

Sem saída, se volta para dentro com fúria.

Ela grita em meus sonhos, chamando-me para o abismo.

Lá fora, luto para conter essa besta interna.

Covarde, nunca conheci o medo,

Mas ele sempre esteve aqui, cutucando segredos submersos

No escuro oceano do pensamento, onde a voz domina.

Prisioneiro em meu próprio reino,

Vassalo de mim mesmo, cercado por mistérios e muros.

Não sou nada além dessa voz,

A voz do vazio que sou, por tudo que conheço.

Pensador e pensamento em uníssono,

Prazer e dor, ordem e caos, amor e sofrimento,

Tudo em seu devido tempo, num ciclo eterno.