existe palavra mais bonita do que "caos"?

o grande letreiro digital marcava 39°

na tarde de Fortaleza

e as pessoas falavam alto demais

e os prédios se erguiam a cada passo que se dava e cresciam

e floresciam aos andares apressados

e desapareciam com a mesma velocidade do bater

das asas de um beija-flor.

as mulheres estavam em casa com os filhos,

ou soltas como leoas famintas em baladas VIP.

as mulheres ficavam em casa se masturbando com a ponta da escova de pentear

ou trepando com um (des)conhecido qualquer

enquanto os maridos trepavam com suas secretárias, suas assistentes,

alunas, filhas, enteadas...

os homens estavam todos presos, loucos e imundos.

não era de admirar que existissem tantos hospícios,

tantas prisões,

grades e cadeias

todos estavam jogados na sarjeta,

seja das ruas ou das prisões ou dos hospícios.

as pessoas imploravam para serem presas,

os enfermos sem alma morriam antes de conhecer

o inferno do xadrez.

e há homens demais

agindo como retardados psicopatas

e criando

dramas suicidas demais

e bebendo e fumando demais

e frequentemente há caralhos demais fudendo bucetas demais.

mas não há poesia.

a poesia não existe no vácuo,

a poesia não existe por si só.

a poesia não nasce por causa da decadência,

nem por causa do odor fétido dos hotéis ou dos corpos empilhados

ou dos becos escuros que fediam à doença e morte

ou das prisões ou das crianças estupradas.

todos estavam presos no mesmo inferno

seja morrendo em prisões lotadas em meio às rebeliões carcerárias,

seja atirados nas ruas cheirando o vômito dos viciados

e bostas de cachorros vira-latas,

seja em hospícios imundos e mal cuidados,

onde os loucos não entram,

os loucos não existiam do lado de fora das paredes mas eram criados

do lado de dentro.

Arthur Rabelo
Enviado por Arthur Rabelo em 16/02/2017
Código do texto: T5914572
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