existe palavra mais bonita do que "caos"?
o grande letreiro digital marcava 39°
na tarde de Fortaleza
e as pessoas falavam alto demais
e os prédios se erguiam a cada passo que se dava e cresciam
e floresciam aos andares apressados
e desapareciam com a mesma velocidade do bater
das asas de um beija-flor.
as mulheres estavam em casa com os filhos,
ou soltas como leoas famintas em baladas VIP.
as mulheres ficavam em casa se masturbando com a ponta da escova de pentear
ou trepando com um (des)conhecido qualquer
enquanto os maridos trepavam com suas secretárias, suas assistentes,
alunas, filhas, enteadas...
os homens estavam todos presos, loucos e imundos.
não era de admirar que existissem tantos hospícios,
tantas prisões,
grades e cadeias
todos estavam jogados na sarjeta,
seja das ruas ou das prisões ou dos hospícios.
as pessoas imploravam para serem presas,
os enfermos sem alma morriam antes de conhecer
o inferno do xadrez.
e há homens demais
agindo como retardados psicopatas
e criando
dramas suicidas demais
e bebendo e fumando demais
e frequentemente há caralhos demais fudendo bucetas demais.
mas não há poesia.
a poesia não existe no vácuo,
a poesia não existe por si só.
a poesia não nasce por causa da decadência,
nem por causa do odor fétido dos hotéis ou dos corpos empilhados
ou dos becos escuros que fediam à doença e morte
ou das prisões ou das crianças estupradas.
todos estavam presos no mesmo inferno
seja morrendo em prisões lotadas em meio às rebeliões carcerárias,
seja atirados nas ruas cheirando o vômito dos viciados
e bostas de cachorros vira-latas,
seja em hospícios imundos e mal cuidados,
onde os loucos não entram,
os loucos não existiam do lado de fora das paredes mas eram criados
do lado de dentro.