Consulta.

Hoje estou sem. Sem vontade, sem paciência, sem tesão. Já vem de uns dias isso tudo doutor, não sinto mais o gosto, o cheiro. No começo suspeitei ser falta de tempero, mas não, não era. Fiquei medroso, inseguro, trancado, peito rachado, me receite um expectorante, por favor. Se dói? Só quando eu respiro, quando eu abro os olhos. Em casa não tem mais nada alérgico, ela levou tudo. Talvez esqueceu algo, algo pesado, inesquecível, dentro de mim. Eu lembro de tudo, cada detalhe, cada surpresa que eu a fiz, simples, mas tão sinceras, tão apaixonadas, os detalhes, as assinaturas seguidas de uma linda frase, escrita com batom nos espelhos. Eu não mereço isso, essa dor frustrante, um som, ecoando ‘’eu te amo’’, chega quase a morte. E ainda preferiu o mundo, tola. O mundo só tem isso mesmo a te oferecer, uma barriga definida, uma malcomida, e um firme adeus. Desculpe, eu não sou só isso, tenho tanto a oferecer. Princípios, uma linda poesia, um café forte e quente. Seu Doutor, me desculpe, já virou psicólogo, e nossa conversa se estendeu. Eu não preciso de remédio, preciso de alguém cheio, cheio de tudo. Medos, esperança, fraternidade, sinceridade, companheirismo. Não quero ninguém fraco, que troca momentos, por uma vida eterna. Voltarei assim que estiver curado, só para um checape, uma visita rotineira. Voltarei quando estiver coberta, a marca que ficou, voltarei quando precisar de um remédio apenas para as cicatrizes, ou quando simplesmente precisar de um abraço. Voltarei doutor, quando eu estiver convicto, que ainda é possível se amar de verdade, sem medos, sem receios, com a certeza que de amor não morro mais.

Rafael Calandrin.