Meu céu

Há um céu em mim, e ele me ensina a enxergar a beleza que existe no lado externo. Encanto-me com a alegria do velho mendigo, que passa pela avenida com um saco de quinquilharias às costas. Vai cantarolando uma canção incompreensível, que talvez ele estivesse a compondo sincronicamente com aquilo que está sentindo ali naquele instante, e não fosse realmente pra que outros entendessem. Era como um diálogo com ele mesmo; a canção que vinha de seu interior alcançava a superfície física daquela criatura e imergia novamente para encher-se do oxigênio que a mantinha viva. O lado de fora é onde utilizamos a apneia para realizarmos o que é preciso para manter o que em nós é carne, mas lá dentro, é de onde vem o que nos recarrega e que não deixa nosso corpo adoecer.

Compartilho da efêmera alegria dos bêbados que escancaram longas gargalhadas enquanto se desequilibram subindo a escada do bar, pois embora utópica e de fuga, há um raio de esperança que cobre momentaneamente o mar revolto que vivem. Abraçam-se, sentem-se fortes, bonitos e joviais ali, durante o estado ébrio. Penso assim, porque a lucidez tem seus riscos, já que quando compreendemos quanto ódio existe pelo mundo afora, a impotência pode nos levar a preferir não enxergar todos atos desumanos ocorridos, desligando-nos da realidade; ou, pode alimentar em nós um ódio contra quem odeia. Assim, ocorreria uma incoerência sentimental, pois a raiz de nossa aversão estaria comandando também nossas atitudes. Ora, a guerra não se legitima para alcançar a paz, e matar não é o melhor remédio para preservar a vida.

Concordo que todos são capazes de verem o belo no azul do oceano e do céu, nas flores de um jardim e nas crianças que brincam no parque; é um truísmo. Mas, quando observo nuvens escuras se aproximando, sinalizando muita chuva, não me apego ao fato de que passaremos por longo período sem o sol. Vejo aquelas nuvens como um rio que possui asas, que contraria a lógica, e nos incentiva a acreditar em nossos sonhos ao confirmar que sim: tudo é possível...

John Canere
Enviado por John Canere em 05/12/2016
Reeditado em 30/08/2019
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