Do Crepúsculo Ao Anoitecer

Pela janela, o ruído urbano invade o meu quarto; hesito em levantar, pois não quero acordar. O sono é tão bom, tão meloso, tão seguro, que persisto em revirar-me na cama, como quem tosta num forno macio.

Enfim, ao levantar-me, escovo os dentes e me alimento, já com os demônios a farfalhar nos meus ouvidos, berrando sobre as realidades do mundo, sobre as maldades, sobre o vazio. Eu luto, e tento desvencilhar-me desses pensamentos; sento no sofá, e pego meu livro. Lendo-o me distraio.

Chegou-me a hora de ir, já não há mais como burlar a mente; apronto-me rapidamente e vou para a aula. Pelo caminho, tudo parece me odiar: os motoristas, as garçonetes do bistrô, a senhora na fila do banco, e até o cão que me late pela grade.

Chegando ao prédio, subo com o coração a palpitar; olhando rápido para o relógio, percebo que ainda é cedo, e terei tempo para me acalmar. Oro para mim e por mim mesmo, para que seja expulso da minha alma toda tristeza e insegurança, mas o corpo me responde com o suor das axilas.

Durante a aula, sinto-me burro a todo momento; por vezes arrisco falar, como se lutasse contra minha timidez, mas nenhuma resposta me parece conveniente, e novamente me sinto odiado; encontrando minha fuga apenas nos cheiros exalados pela garota a minha frente, que me trazem algum amor remanescente, uma felicidade distante.

Na saída, converso com a cheirosa mulher, mas tentando demostrar carisma, tropeço na insegurança e vomito delírios esquisitos. Acho que por ela sinto algo, mas a conversa acabou, e me acho estupido por cada palavra antes dita.

Já indo embora, paro na padaria em frente ao meu prédio e peço um cappuccino; sento-me a mesa, mas não tomo da xícara, pois ainda penso na garota, na vida e na solidão. O café esfria, e a garçonete olha-me com demasiada curiosidade. De repente, para minha surpresa, alguém me reconhece e saborosamente me distrai. Depois de beijos e abraços, minha velha amiga pergunta sobre meu tio que infartou - tão novo - dizia ela. Eu assenti e me retirei.

Já pelo elevador, um filme passava pela minha cabeça, analisando o dia, e me entristecendo, com os demônios a gargalhar das minhas falhas tentativas de socialização.

Deitado, volto a contorcer-me em meu forno apetitoso, enquanto as palavras da minha inesperada amiga ecoavam: "tão novo". Realmente, ele possuía apenas 39. Mas agora eu percebo a comicidade da vida, suas ironias e provocações, pois aos 18 sofro infartos diários, que são causados não pelo excesso de colesterol, mas por uma angústia resistente. Tão novo... Desafortunados somos nós, eu e o meu tio. Esforço-me para me desvencilhar dos demônios, viro-me e adormeço. Amanhã começará um novo dia.