Já Tomou sua Aspirina?

Existem aquelas horas em que os ponteiros aceleram e outras em que param de funcionar com uma pilha velha derretendo no bojo do relógio.

Têm horas em que o teclado do computador nos olha com aqueles olhos de letras querendo um dedo para lhes enfiar, computando nossa dor.

Aquelas horas em que a vida nos dá um soco na boca do estômago e nos faz vomitar de dor e indagar se estômago tem boca e se o soco fora sem querer.

Quem nunca se ajoelhou e não rezou? Olhando o celular e pensando na fofoca que a vizinha lhe contara às três da tarde...

Quem nunca deixou suas lágrimas irem embora com a água fria do chuveiro no inverno e fez flexões com tanta violência torcendo para o coração explodir?

Aí você acorda e vê os noticiários informando as mesmas coisas de cinquenta anos atrás. Quer jogar o televisor do décimo terceiro andar e se lembra que pode acertar um idoso ou uma criança. Aí você pensa no Pêndulo de Foucault e pendura a chuteira na balança do tempo, esperando o vento levar todas as agruras que te assolam.

E pega o telefone e o enfia no ouvido do atendente do call center que insiste em te vender panetones vencidos do Natal de 2014.

Uma senhora octogenária morreu comendo uma uva passa estragada diante seus bisnetos que riam achando que a velha fazia piada.

Daí você, insistindo em ser você, se afunda dentro de casa com receio de sair e ter que salvar o Mundo, sendo que o Mundo está perdido.

Os homens prosseguem absortos em seus problemas, seus dilemas de humanos, arrastando suas ossadas ululantes para lá e para cá, pensando num amanhã incerto... No café da manhã que engolirão no dia de seu funeral...

Os homens são bichos loucos e fazem de tudo pela razão que nem sempre tem.

Amanhã, se tudo correr bem, quero cortar as unhas e aparar os cabelos do sovaco...

Amanhã, se tudo der certo, quero comprar um iate e um apartamento em Manhattan.

Amanhã, se tudo der certo, quero ir para a academia e ficar musculoso, comprar um sonho na panificadora da esquina e mastigar um pedaço de nuvem...

Amanhã, se acordar respirando, quero fazer o que nunca fiz, nadar nu na fonte luminosa e rogar a Deus que deixem os seres vivos em paz.

Amanhã, mas somente amanhã, quero dormir e acordar na santa e chata paz nossa de cada dia...

Já acariciou seu animalzinho de estimação hoje?

Já plantou seu jardim?

Tomou sua aspirina?

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 17/06/2016
Reeditado em 17/06/2016
Código do texto: T5670319
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