OBRA-PRIMA

Ontem, experimentava uma acidez... na garganta morava um sufoco, um gosto estranho. Sentia-me sensível, colérico. Contraditório até. Havia em mim ânsias de ser amado. Deixava, então, para outrem que assim o fizesse. E buscava sempre noutro essa completude, essa cura. Incapaz era eu de tal. Como poderia amar alguém que busca respostas no passado para o que ainda pertence ao futuro?

Hoje, olho-me no espelho, na água, e não me sustento, caio, mergulho fundo... o olhar intruso me atravessa a alma, me molha a pele (arde em mim os joelhos ralados, que tantas levantei e limpei a poeira). Lembro-me que um dia tatuei coragem em meu ser. O coração bate minha trilha sonora, canções que acalmam. Volto a superfície. Respiro! Deixo o sol secar o que ainda molha meu rosto. O sal da lágrima me tempera os lábios e sigo em frente.

Amanhã, transcendo e viro o bicho. Possuído pelo demônio confiança. Andarei lugares inalcançáveis. Mas, eu, agora, era incansável. A fé me resplandecerá. Um passo de cada vez. Sei que haverá sempre trancos, barrancos, tropeços e recomeços. Então que a vida seja como porre de vinho, pois já sei me equilibrar e andar bêbado; mas toda noite me refaço; e na ressaca da manhã: café forte, e seu cheiro... de esperança. Agora, assassinarei meus lobos, assombrarei eu os meus fantasmas, assinarei minha carta de alforria todo dia, livre para renascer cada vez mais forte, acertando meus erros, e aceitando meus defeitos.

E na aquarela da vida vou procurar as cores certas, medir o tom e pintar a poesia que caiba em mim... quem quiser que faça arte comigo, misture nossas tintas para fazer nossa obra-prima. Porque sou autor do meu ser sentimento (e você do que quiser)... a parceria é questão de ser mais, não melhor. Vou gastar tempo demais para me amar. Vou me encher até a boca só de coisas boas.

Então, se for para rasurar o meu poema, retire-se, por favor! Se exploda longe de mim, para que não respingue sua guaxe no que voo desenhando com tanto capricho: eu! E não fecharei minhas asas mais... apenas meus olhos, pois quero sonhar com quem esteja disposto a voar comigo e mudar a cor do meu céu. Talvez um anjo, caído que seja. Ou demônio, arrependido, talvez. Quero é que me complete no bem e no mal, e me leve do inferno que passei ao paraíso que ainda desconheço. Mas sinto, sei de alguma maneira, que está reservado em meu nome. Eu só não sei ainda o caminho... por isso eu mesmo decidi por trilhá-lo sem placas para voltar. Eu quero mesmo é me perder; pois tenho birra de gente que só vive se achando.