Bocas Mortas encontram Vozes Vivas

O silêncio sempre foi meu bom amigo.Sua presença sempre esteve em simbiose com a minha existência.Eu ouvia o silêncio.Minha boca só dizia o silêncio.Meus olhos só viam o silêncio.Qualquer barulho que ousasse entrar pelos meus ouvidos era cortado.Minha boca desconhecia a linguagem dos ruídos.Qualquer um que a falava,era visto por mim como algo transparente.Sem cor.Sem sabor.Sem odor.Eles também me viam de maneira similar.Apenas um corpo.Mas sem o espírito.

As relações me entediavam.As demonstrações públicas de afeto me amedrontavam.As conversas me cansavam.Os olhares me assustavam.Principalmente quando olhavam nos meus olhos.Me sentia completamente violado.

Andava pelos espaços como se não deixasse rastro algum.Me sentia invisível.Ninguém prestava atenção em mim.Um exímio falante da língua do silêncio.Ninguém falava a minha língua.Os olhos da atenção nunca me encaravam.

Isso até notar a sua existência.

Numa manhã comum.Eu estava agindo como sempre.Trancado em meu mundo.Restrito a minha naturalidade.

Sinto algo tocando a minha pele.Algo macio.Feito seda.Dançando sobre a minha pele.

Olho para a minha pele.Havia uma mão me tocando.Uma mão feminina.Uma mão bem cuidada.Uma mão cuja pele estava levemente corada pelo sol.Era estranho passar tantos anos acostumado com o frio da solidão e ter esse costume quebrado pelo calor da simpatia.

Levanto a minha cabeça.Vejo uma menina.Aparentava ter quase a mesma idade que a minha.Cabelos loiros.Um rosto angelical.Tinha um sorriso amigável que aparentava ser sincero.

Meu coração,que já acelerado pelo inesperado toque,quase explodiu quando um simples ‘’Oi!’’ emanado da sua voz atravessou a sua boca e bombardeou meus ouvidos como um cometa.

Depois deste acontecimento incomum,ela virou o rosto para frente,tirou a mão da minha pele e voltou a andar.Por longos minutos,por mais que ela estivesse longe,olhei fixamente para ela.Espantado.Não sabia como reagir àquilo.Um contato sem aviso prévio.Uma simpatia sem preço.

Tentei esquecer aquilo.Mas,por algum motivo,a imagem daquela dama continuava na minha cabeça.Aquela cena se repetia na minha cabeça milhares de vezes seguidas.

Os dias passavam,e eu não parava de pensar nela.

E isso se intensificou no dia no qual ela começou a conversar comigo frequentemente.Ao mesmo tempo que meu coração batia tão forte quanto um tambor de guerra,pude ver a felicidade transbordando do seu corpo por meio dos seus sorrisos e o interesse que tinha por mim.Pude ver isso com base no seu tom de voz,nas perguntas que fazia sobre mim e como se comportava.Havia uma pergunta em especial:

‘’Por que você é tão quieto?’’.Ela me analisava com seus profundos olhos.

Esta pergunta,assim como as outras,respondi com o completo e absoluto silêncio.Queria poder responder àquela pergunta e todas as outras no idioma dela.Mas,infelizmente,eu apenas falo o idioma do silêncio.

‘’Queria poder ouvir as sua voz’’.Senti uma pitada de tristeza na sua voz.

E eu queria poder mostrar minha voz à ela.Porém,eu me encontrava restrito à minha natureza.

No dia seguinte,enquanto tentava entender a curiosidade que ela tinha por mim,ela se aproximou de mim.De novo.Ela trouxe uma maçã.Aceitei.

‘’Trouxe essa maçã,pensando em você’’.

Eu sabia bem como era o gosto de uma maçã.Mas a voz dela deu um gosto especial àquela maçã.Um sabor mais doce.

Em seguida,ela me estendeu a mão.A mesma mão corada que tocou minha fria pele.

‘’Eu vou caminhar agora.Gostaria de me acompanhar?’’.

Não tinha escolha.Aceitei o seu convite no momento que agarrei a sua mão.

Ela me levou até uma floresta.Uma bela obra da Mãe Natureza,pintada e desenhada sobre uma tela em branco conhecida como solo.

Obra esta que antes ostentavam o preto e o branco ao meu ver.Agora,suas cores saltavam aos meus olhos.

Demorou muito tempo,mas percebi que durante esta caminhada,pude notar o calor que crescia dentro de mim.Não tive nenhuma resistência à ele.Apenas o deixei entrar.Ele foi rápido em me habitar.

Por um momento,me considerava um falante da língua do silêncio.Agora,me sinto um ser diferente.

Me sinto...vivo.Me sinto...livre.

O dia seguinte chegou.Esperava muito por ele.

Tentei procurar a menina.Estava pronto para mostrar a minha voz.

Esse desejo se reduziu a cinzas no momento que vi seu rosto desmanchado em lágrimas.Me aproximei dela.Ela me disse o quê a afligia.

Tinha que partir.O destino a chamava.

Sentia como se algo estivesse puxando uma parte de mim.Lentamente.Apenas para me ver meu sofrimento.

Minha boca estava cheia de palavras a serem ditas.Naquele instante,elas eram sons sem significado.

Não sabia qual era a próxima ação.Deixei meu instinto toma as rédeas.

Rapidamente,agarrei um de seus braços e puxei-a para perto de mim.Eu a abracei.Queria sentir seu calor antes de partir.Em seguida,sussurrei no seu ouvido:

‘’Eu te amo’’

Por um momento,não reconheci o som que saía de mim.Era como se alguém estivesse falando no meu lugar.Porém,era ela que estava bem mais surpresa do que eu.Surpresa por me ouvir falar em nosso último momento.Surpresa por saber que eu também podia sentir.Surpresa ao ouvir um falante do idioma do silêncio falar.Surpresa por saber que aquilo era recíproco.

‘’Eu também te amor’’.O sentimento na sua frase era intenso.

Gradativamente,ela se soltou de mim,deixando com que o seu braço caminhasse pela minha mão,até a mesma perder o contato.Assim como sua presença.

Por um momento,voltei a experimentar o silêncio e a solidão.Nunca pensei que essas duas sensações,as quais sempre fui acostumado,passariam a ser tão estranhas para mim.

Caio Lebal Peixoto (Poeta da Areia)
Enviado por Caio Lebal Peixoto (Poeta da Areia) em 15/11/2015
Reeditado em 19/05/2017
Código do texto: T5449798
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