Dama No Mar

Eu vejo uma dama.Uma dama no mar.

Nadando pela água salgada.Pele pálida.Cabelo negro como o carvão.Espaços entre os dedos das mãos e dos pé preenchido por pele,como se fossem barbatanas.Corpo magro e completamente nu.Parecia ter a mesma altura que a minha.Guelras nas laterais do pescoço;um dos poucos detalhes que a diferencia de um humano.

Depois de nadar perto da praia e explorar o espaço ao seu redor,ela sobe em uma pedra encrustada na areia para descansar.Após mirar seu belo e jovem rosto na minha direção,dotado de um nariz ligeiramente grande,ela me atira um sorriso tão brilhante como pérolas e tenta me seduzir com o seu simpático olhar recheado pelo castanho.

Ela olhou para mim.Naquele momento,senti uma grande descarga de medo percorrendo as minhas artérias...Mas também me senti maravilhado com tal maravilha da natureza.Entretanto,só posso lamentar a incompatibilidade entre nós.Ela,uma cria do verão.Eu,uma prole do inverno.Ela,filha da água e do sal.Eu,um filho do ferro e do concreto.Ela tem o mar inteiro para explorar.Eu sou preso por quatro paredes.Ela a fauna marinha para lhe fazer companhia.Eu só tenho a solidão.

Encarei aquele sorriso como um convite para lhe fazer companhia na água.Mas não podia fazê-lo.Somente a observei enquanto sentado na areia da praia.Eu sabia nadar.Porém,o mar era um ambiente hostil para a minha pessoa

Me levantei.Sacudi a areia da minha roupa.Dei um último olhar para ela antes de ir embora.Eu a vi mandando um beijo para mim e depois acenou amigavelmente,sorrindo.Acenei de volta e tentei esboçar um sorriso.Fui direto para casa.Um apartamento de frente para a praia.

Cheguei ao meu refúgio.Meus pais estavam sentados no sofá,assistindo TV.Eles me perguntaram como foi a minha ida à praia.Disse que foi boa.E nada mais do que isso.

Eu passei a maior parte do jantar me indagando sobre ela.De onde ela veio?Como ela surgiu?Ela é real...Ou uma mera ilusão?

Todas as minhas dúvidas sobre ela não foram respondidas.Tive que guardá-las no momento que eu deitei minha cabeça no travesseiro e fechei os olhos.

Uma noite tranquila.Até acordar no meio dela.

Meus olhos encaravam o teto do quarto,iluminado pela luz da Lua.Me levantei.Pensei em ir pela janela e observar a paisagem.Ver as ondas batendo na areia.As ruas.Os navios de carga distantes,porém visíveis o bastante devido às lâmpadas dos mesmo.

Foi aí que eu a vi de novo.Nadando perto da areia.Aparentava estar entediada.Desinteressada.Não sabia o quê podia fazer naquela madrugada fria sem mim.Depois de algum tempo,ela tentou olhar para cima.

Ela achou o meu apartamento.

Achou a minha janela.

E achou a mim.

Não sabia como reagia àquilo.

Fiquei imóvel perante o sorriso vivo que disparou em minha direção.Daquela donzela semi-imersa na água.Jogada na noite.Feliz em finalmente achar minha toca.

Em seguida,comecei a desenvolver um estranho fascínio por ela.Estranho,pois em nosso primeiro encontro,encarei-a com espanto e medo.Agora,a imagem dela me encantava e disparava o meu coração.Seus contornos pareciam obras de arte.A suavidade dos seus movimentos eram como uma massagem para a minha mente.

Pelo sorriso dela,descobri que ela estaria apaixonada por mim.E pelo modo como eu a olhava,ela sabia que eu estaria apaixonado por ela.

No dia seguinte,reservei a maior parte da minha tarde em sentar na confortável areia da praia para poder contemplá-la.E ela,ao notar minha silenciosa,porém óbvia presença,nadou até uma das pedras encrustadas na areia abaixo do mar salgado para fazer o mesmo.

Eu não sabia uma maneira de me comunicar efetivamente com ela.Minha mente humana desprovia de criatividade para formar palavras ou meios de me expressar meus sentimentos em relação àquela dama do mar.E ela não dominava a língua dos homens:Seres racionais,porém selvagens.Nunca poderia se dar ao trabalho de apreender o meu idioma.Suas palavras se restringiam à imensidão marinha.

E assim se resumiram nossos momentos.Momentos de olhares longos e sutis,recheados pelo silêncio.Entretanto,achava que conseguia ler a mente dela.Saber do que ela queria fazer comigo.Saber o que ela pensava de mim.Saber o que ela sabe de seres como eu.

Houve um dia no qual ela queria algo.Algo mais.Ela realmente me queria.

Enquanto sentada em uma pedra,ela se aproximou calmamente da superfície da água e começou a puxá-la para si mesma.Eu não sabia o que ela queria dizer com isso.Ela continuou a fazer aquilo,até mudar sua estratégia.Ela começou a abanar seu dedo indicador,dando a entender que ela estava me chamando.

Um jato de medo transcorreu a minha pela.Eu realmente não esperava por isso.

Sem dar muita atenção à minha mente,decidi me levantar da areia e ir em direção ao mar,a fim de satisfazer se desejo.

Quanto mais eu andava em sua direção,mais o seu sorriso alargava.

É uma pena dizer que o mar se mostrou demasiadamente hostil para mim.Me rendi completamente para o medo.Ele me dominou,me fazendo deixar a água do mar,e por consequência,a dama.

O seu belo sorriso se desmanchou,dando lugar às frias lágrimas.Não pude fazer nada,a não ser ir embora para casa e dizer a única coisa que chegou na minha cabeça:Me desculpa.

O choro dela me atormentava todos os dias.

Era como se uma pobre,inocente e dócil alma estivesse chorando ao ser puxada para os portões do Inferno.

Um choro difícil de ser ouvido.Um som de arranhar os ouvidos.Sua tristeza podia me contagiar.

Dias e noites.Noites e dias.Apenas ouvindo o choro da dama do mar.Minhas noites de sono,antes horas de tranquilidade,se tornaram horas de tortura.O tão aguardado sono era espantado pelo choro de uma dama.

Nunca pensei que uma dama tão pura como ela poderia sofrer tanto assim.Nunca pensei que uma dama como aquela,que tem o estranho poder de abrir um sorriso no meu rosto,teria o poder de desmanchá-lo com tanta facilidade.

Não aguento mais.Preciso fazer alguma coisa.

Noite de Ano Novo.

Fogos de artifícios eram jogados ao céu,se juntando às estrelas.

As pessoas cantavam.As pessoas riam.As pessoas se abraçavam.As pessoas se amavam.

Exceto a dama do mar.Deitada de bruços sobre as pedras perto da praia.Chorando por ter perdido aquele que ela amava.As mãos mergulhadas na água.Seu corpo banhado pela luz dos fogos.Sua presença não era notada pelas pessoas.Era invisível aos olhos dos tolos.

Achava estar sozinha neste mundo hostil...Até algo tocar suas mãos.

Ela levantou a cabeça e enxugou as lágrimas.Havia uma rosa na água.Uma rosa dançando sobre a superfície da água.Uma rosa para ela.

A dama olha para a areia.Ela me vê.Parado perto da água.Ela não sabia o quê estava acontecendo.Se ele era real.Ou uma ilusão oriunda da sua melancolia.

Arrisquei alguns passos em direção a ela.O medo começava a me dominar.Meus olhos,porém,eram somente para ela.Deixei o medo passar e comecei a nadar em sua direção.

A dama,depois de muito tempo,voltou a sorrir.Pulou da pedra.Nadou ao meu encontro.

No final,nos colidimos em um abraço.Boiando na água.Quando ele acabou,finalmente ficamos à sós.Ela passava uma de suas mãos pelo meu rosto.Queria sentir a pele de um filho do ferro e do aço.E eu tinha uma das mãos sobre o seu cabelo.Sentia o sal dos seus cabelos arranhar a minha mão.

Naquela noite,pude perfeitamente ver o quão bela uma sereia podia ser.

Caio Lebal Peixoto (Poeta da Areia)
Enviado por Caio Lebal Peixoto (Poeta da Areia) em 02/09/2015
Código do texto: T5368549
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.