Mal-estar comigo

Antes eu sonhava em alcançar o arco-íris

Agora só quero dormir bem

Antes eu corria sem medo

Agora corro contra o tempo.

Antes eu adorava imaginar

Agora tenho medo.

Antes eu andava descalço

Agora não ando sem remédios

Antes eu acreditava muito

Agora, cada vez mais

Coleciono incertezas.

Antes eu pulava muros

Agora calculo a altura.

Antes eu temia o escuro

Agora temo o extremo do meu desespero.

Antes eu sorria com facilidade

Agora choro constantemente

Antes eu ia para a igreja

Agora sorrio descrentemente.

Antes eu brincava até cansar

Agora abro os olhos sem descansar

Antes eu corria estimulado atrás da bola

Agora eu fujo das minhas tristezas persistentes

Recorrentes,

Iminentes.

Antes eu era criança e contente

Agora sou adulto e melancólico

Um ser doente espiritualmente

Febril conscientemente.

Era alegre com toda desgraça aparente

Com toda a infelicidade ao redor

Eu sobrevoava e me salvava.

Agora sou um adulto descontente

Carregando todo o peso da angústia de existir

Com doses infinitas de tristezas e incertezas.

Antes eu buscava ajuda

Agora tento manter acesa a última lâmpada

Que restou em mim mesmo.

Antes eu suportava a realidade

Agora tento suportar um dia de cada vez

Em nome da arte.

Porque a consciência que chega com o passar do tempo é a morte lenta

É a tragédia da vida narrando a iminente derrota de Hamlet

É destino ilusório-suicida de Narciso

É o fracasso assombroso de todas as nossas fantasias

É a finitude que combatemos com as palavras

Com a música,

Com a dança,

Com teorias.

É tudo isso num só corpo fraco,

Nem sempre obstante,

Nem sempre vitorioso

E nunca satisfeito.