Nas Entrelinhas
Eu sei que neste mundo
Há uma beleza no fundo
Eu só queria enxergar.
Eu sei que na escuridão
E na dor das sombras
Há um refúgio sagrado
Eu só queria encontrar.
Eu sei que há vida na morte
E graça e talvez uma sorte
Eu só queria suportar.
Eu sei que nesta rua
Tão solitária e escura
Há uma alegria escondida
Eu só queria desvendar.
Eu sei que em todo fim
Há um novo recomeço
Eu só queria começar.
Eu sei que na miséria de ser
Eu nem preciso estar
Basta olhar e ver
Basta olhar e enxergar
A tristeza tão profunda
Em sentir tudo
E depois ter que existir.
Muitos preferem fingir
Eu só quero afirmar.
Eu sei que na favela
Nos morros abandonados
Há bailarinas e escritores
Atores e pintores
Surgindo sem cessar.
Eu só quero vê-los aflorar.
Eu sei que em cada esquina
Da avenida mais conhecida
Nas cidades perdidas
Endurecida por cimentos
Em corações de concretos
Existe muitas meninas
Sonhando em fugir de suas angústias
Do lado triste de viver
Para não mais se envergonhar.
Eu sei que na inocência
Há muita credulidade e esperança
Eu as vejo perdidas
Nos olhos das crianças abandonadas
Em cada rua ou em cada rodovia
Sem ter onde morar.
Eu sei que viver é morrer
Outros o faz com esmero prazer
Muitos sem crer
Eu só queria sossegar.
Eu sei que em cada beco
Há um menino calado
Querendo gritar e ser ouvido
Mas ele foi enterrado vivo
E o fascismo fala por eles.
Eu só queria negar e desmentir
Toda essa armação
Toda essa quadrilha de ladrões
De gravatas em carros importados
Comprados com o nosso dinheiro
Tão suado, tão desvalorizado.
Às vezes eu tenho medo do hoje
E tenho mais medo do que virá
O que pode vir a ser hoje
Pode amanhã me matar?
Eu só queria ter todas as respostas
Para me salvar
Para nos salvar.
Eu sei que dentro de mim
Há um menino que diz
Siga, vá em frente!
Acorde e seja feliz!
Eu só queria acreditar.
Eu sei que lá dentro de mim
Há um pobre guerreiro sonhador
Que irá lutar contra tudo e contra todos
Até o último dia
Até o seu último suspirar.
Eu só tenho que erguer a cabeça
E me levantar
A cada queda
A cada derrota
A cada batalha perdida e vencida
A cada morte vivida na luz do raiar.
Eu sei que no meu peito
Não cabe esse mundo inteiro
Que eu alimento com tantos sonhos e desejos
Ele pesa o meu corpo
E o meu espírito.
Às vezes eu não consigo carregar.
Às vezes a vitória cansada
Já se dá por vencida
E muitos recorrem em desesperos
E delírios coletivos
Tentando se salvar
Com touch screens
Em aparelhos que carregam seus mundos internos
Tão cheios de vazios
Mas modernos.
Mas a guerra que há aqui ainda persiste
Entre tudo que sou e tudo que está.
Eu só queria ignorar tudo isso e prosseguir
Mas cada vez que eu tento
Eu não consigo
Eu não me enxergo
O meu eu não há
Não está lá.
E no frio que faz em dias de sol
Eu coloco-me a sonhar
Ao abrir um livro
Ao me deleitar
Em outra história
Em outro mundo
Debaixo da sombra de uma árvore
Eu me deito
E esqueço do que me esmaga
Eu encontro oxigênio
Eu volto a respirar.
Nas páginas, uma dor
Um personagem sonhador ou triste
Um conto de amor.
Eu por um momento esqueço as minhas
Eu encontro a chave da porta da saída
Um corredor de emergência
Para os melancólicos suicidas.
E de repente eu enxergo a beleza da vida
Que é estar sem estar
Que é viajar para dentro de si
Sem se perder
Saboreando o seu existir.
É se fazer presente sem a dor consentida
Agora eu sei me perder sem me deixar.
Então eu aprendi a sobreviver
E para o mundo real eu não quero voltar
Vou me embriagar de poesias e de palavras
Que sustentam minha alma
Que alegram de fato a minha existência.
Eu encontrei a vida perdida na infância
A alegria contagiante que efervescia
E agora eu tenho uma companhia
Nas horas mais difíceis
E nas horas de alegria.
Eu encontrei de novo o meu lar
Eu encontrei o tão esperado 'meu lugar'
Eu sabia que essa hora ia chegar
Agora eu sobrevivo nas entrelinhas
Eu já estou habitando por lá.
Venha me ver
Venha me encontrar
E diga um olá.
Eu estou quietinho
Esperando você chegar
E me fazer companhia junto das palavras
E juntos podermos sonhar até cansar
Até morrermos inebriados de alegria.
Sem se preocupar
Sem pensar no amanhã
Sem aqui estar
E ser esmagado todos os dias
Por tanto tentar.
Nós somos o infinito
E uma partícula de luz
Que brilhará no abismo
De cada ser vivo
Que aqui não se encaixar.
Nós estamos vivos
Quem sabe para sempre
Sem precisar estar.