A Ressurreição

Afundo.

Penetro-me nas profundidades mais obscuras de minha mente.

Que não mente para si mesma

Não consciente.

Enterro-me.

Meu corpo é sepultado por terras podres

O meu rosto é desfigurado

E minha voz se sufoca

O silêncio me devora

Meus pensamentos adormecem.

Eu caio lentamente.

Num poço sem fundo

Num lago mais profundo

Num corpo tão escuro

Entorpecido de razão

De sensibilidade não-dormente.

O meu corpo não virou produto,

Nem mercadoria.

Meu espírito então adoece.

Mergulho em minhas feridas

Que não se fecham

Não se curam

Não se calam

Me enlouquece.

Afundo em meus desejos

De um mundo mais justo e verdadeiro

E minha alma inebriante de frustração

Se prostra pelo chão

E se rende.

Por aqui não há salvação

Os fantasmas nunca dormem

As górgonas não se compadecem

Os deuses se enfurecem.

Nada modifica-se.

Tudo permanece.

Então asfixio-me nos resíduos

De que restou de mim

E nesse caixão

Que se tornou meu corpo

Meus vermes se alegram

E se fortalecem.

O mundo me matou.

Desde que nasci,

Vivo ardendo em minhas feridas

Exposto à tudo e à todos

Vivo gritando em silêncio,

Chorando pelos cantos.

De mágoas de amor

Debruço-me em minha dor

E da desilusão na rejeição,

Do corte profundo na alma

Vivo esvaecendo,

Eu viro pó.

Entre as cinzas que ficaram

E das cicatrizes que não cicatrizaram

Restou-me o pessimismo

A desconfiança na vida

A desesperança nesta selva perdida.

Entre pedras que caem sem parar

Entre redes de vidas digitais

De avatares reinantes

Em teias de fingimento

Todos se tornaram aranhas virtuais

Para à todo custo,

Se devorar.

Eu fui banido do grande espetáculo

Da vida como reality show fantástico

Eu estou fora dos "padrões"

Eu não me "encaixo".

Eu não estou apto a encenar

O grande teatro da vida real

A eterna ficção para suportar

A dor de existir

A miséria de nascer

Na morte iminente que se anuncia

Todo dia, em nossas mentes.

Eis que o verme encontra uma faísca

E o meu corpo responde aos processos

Entre a brasa eu me reconheço

E de susto e assombro,

Eu acordo.

Entre as cinzas do meu espírito

Minha alma se levanta

E eu aprendo

Reaprendo a respirar

E a reacreditar nos meus sonhos.

Algo me diz que há muito o que lutar

Há muito o que percorrer

Na estrada para o meu destino

Há muitas pedras a cair

Há muitos espinhos a me perfurar

E há muito a sangrar aqui dentro.

E passeando pela Vale da Morte

Eu vejo Hades e aceno

Ele sorri apaixonado

Nós já nos conhecemos.

As sombras me levam de volta

Ao que chamam de vida por aqui

Eu tento permanecer em pé

E rendido e ainda decadente

Eu pergunto à elas:

O que há lá em cima é a morte

Ou uma ilusão de uma vida existente?

São tantas angústias e poucas soluções

E quem tem a solução não sente minha angústia!

Então eu encontro a porta da saída

A melancolia anuncia o seu arrebatamento

Eu me encontro de volta com a sua luz

E minhas dores se dissolvem nas cinzas

De sombras que voltam com o vento.

A porta cinzenta está lá aberta,

E lá ela se encontra à espreita

Com o seu sorriso edificante

Me esperando

Me assistindo,

Me desejando.

Ela me abraça e me aquece

Em seu manto sagrado,

Eu agradeço a viagem

Por dentro da minha podridão

Por dentro dos escombros

Que a luz do dia escurecem.

E o meu rosto então configura-se

Ganha uma outra forma

Um outro semblante

E do meu túmulo eu saio saltitante

Amando a minha morte

Amando a minha tristeza inebriante.

Eu estou renascendo

Me refazendo conforme minhas dores

Ganhando outras formas de sofrimento.

Mas como toda fênix eu resisto

E persisto reluzente

Sempre em chamas

Sempre atento.

E de braços abertos

Eu volto para o mundo dos mortos vivos

Onde o vazio das ações são reflexos

Da falta do pensamento crítico-reflexivo.

E da falta de compaixão e solidariedade

Da falta de sensibilidade e de sentimentos

Vamos praticando toda forma de ódio

E de toda sorte de maldade

Por alimentarmos tantos ressentimentos.

De um enterro sem velório eu venho

Anunciar que todo julgamento

Implica num sepultamento

De uma alma que sente

Muita fome, sede e tristeza

Que tem muitos sonhos

E muitos desejos.

E que nunca iremos levantar

Se não recolhermos as nossas cinzas pelo chão

No asfalto frio e sem coração

Que nos devora por completo

Por omissão

Por covardia

E acomodação.

E que ninguém ressuscitará no sétimo dia.