Viver é Assim
Eu preciso voltar a sonhar
Oh, Deus me dê uma chance para descansar!
Dessa angústia que não me deixa dormir
Dessa dor intermitente
Dessa rejeição sem fim.
Eu preciso enxergar a luz
Eu não posso continuar
Alimentando estes demônios
Que riem ao me ver chorando
Que se elevam quando eu caio
Sem parar,
Dentro de mim.
São dores passadas
São feridas que não cicatrizaram
São marcas que não cessam
De me atormentar
De me fazer sangrar a memória
De eternamente,
Me assombrar.
São lembranças de outras mortes
São gritos que ecoaram no deserto
De dores sufocadas em minha alma
Dentro do meu quarto.
À noite, um delírio
Uma fantasia
Uma ilusão para me salvar.
Eu imploro pelo fim dos tempos
Eu vejo os anjos caindo lentamente
Sangrando em guerra apocalíptica
Eu não suporto mais esse lugar.
Goles e mais goles de veneno
Não entorpecem mais um espírito
Abandonado por tanto tempo.
A morte se fez morada
Em todos os meus pensamentos
E miserável que é a minha existência
Num mundo vil e totalmente miserável
Eu sinto que não vou suportar
Mais um segundo aqui dentro.
Viver é suportar uma dor sem cura
Até não resistir mais e se cansar
E enfim, se atirar pela janela
Do mais alto andar.
Pálido, sem voz, sem força
Eu tento arrastar o meu velho corpo
Eu sonho em encontrar a luz
Algum lugar para morar.
Mas tudo está em extinção
A robotização do espírito evoluiu
E não há nada mais a esperar.
O iminente fim já chegou
Mas ninguém viu
Ninguém sentiu
Ninguém notou a dor
O sofrimento dos que pensam demais
A miséria dos pensadores desiludidos.
O caos asfixia nossa alma
Entorpece cada vez mais o nosso espírito
O corpo já não quer mais levantar
A melancolia sagrada de todos os dias
Anuncia o seu arrebatamento.
A derrota vem para os que lutam
O fracasso sempre vem
Para os que tentam
Um lugar ao sol
Um lugar para descansar
Da insanidade coletiva
Do horror banalizado
Como normal,
Como comum
Como um grande espetáculo
Cheio de câmeras prontas a fotografar
Registrar tudo como num filme real de ação
Onde diretores e espectadores se confundem.
Não restou mais lugar para nós,
Pensadores suicidas
Num mundo onde a estética predomina
E maquia nossas dores
Nossas verdades,
Nossas subjetividades.
Somos anjos caídos
Pagando o preço de um inferno que criamos
Convivendo com os monstros que desejamos
Na propriedade privada chamada de “lar”.
O sol não brilha e queima a pele
A lua cinzenta está tão triste!
Suas estrelas estão se apagando
Uma por uma
Por falta de almas aqui embaixo
O ser humano invadiu o espaço
E até lá quer dominar.
A pregação de um céu que nunca existiu
É só uma fachada para instaurar o inferno
Dentro de nós
Eternamente em nossos espíritos
Para sermos escravos de uma voz
Que ansiamos por não pensar sozinhos
Mas acreditando que um messias virá
E nos salvará do que criamos
Do que sentimos ao ver que perdemos
O espaço para nós mesmos
Quando desenhamos uma casa
Uma família, uma igreja e uma escola.
No mundo de Hades
Ninguém estará
E lá ele morrerá só
Iludido por muito esperar.
O inferno é aqui
Não existe outro lugar.
Animais digladiando sem cessar
Por posses e mais posses
Possuídos por suas ganâncias
Amaldiçoados por natureza
Tão cruel, tão humana,
Tão fraca,
Tão hipócrita.
Desesperados em se salvar
Guardar os seus pertences
O cidadão de bem sofre sem fim
Pelo mal que criou por séculos
Pelo destino que findou
Que se vingou.
Perdidos suma selva de pedras
Os muros não sustentam a proteção
Do mal que habita em nós
Que alimentamos desde que nascemos
Com ódio,
Com autoritarismo,
Preconceito e muito rancor.
Aos que sonham, o terror
O pesadelo real do que restou
De uma Terra antes habitada por árvores
Jardins, pássaros e lagos.
Agora tudo virou concreto
Nada possui vida
Nem cheiro
Nem beleza
Nem pensamento.
Nossos sonhos foram sepultados
E os seus fragmentos estão congelados
Debaixo da neve do egoísmo de cada um
Debaixo do semblante de uma estátua triste
Em um cemitério perdido em nossas mentes
Mas tão vivo em nossas lembranças.
Mas o Deus de agora é outro
E os ensinamentos também
Todos estão usando os mais vendidos
Todos estão lendo os mais lidos
Todos estão ouvindo os mais ouvidos
Todos estão mortos e dessubjetivados
Todos estão caminhando como zumbis
Obedecendo aos ordenamentos do capitalismo.
Aos melancólicos só restaram a existência
Tão frágil, tão anêmica
Num mundo cheio de cores artificiais
Num mundo cheio de promessas não cumpridas
E de fetiches por prazeres suicidas.
Refletir em tempos apocalíptico é morrer
Morrer muito mais antes de morrer
E assim vamos sendo rejeitados
Por aqueles que sonham
Com os seus castelos de cartas
Por aqueles que decoram suas existências
Com a marca do momento
Com as roupas da tendência
Com o penteado do inverno
Com o sofrimento oculto por detrás
De todo autorretrato tirado com falsas alegrias
Em um vergonhoso descontentamento.
Mas a vida é mesmo assim
Suportar e conviver com as sombras
Carregar as dores de todos os pensamentos
É morrer sem pedir
É padecer sem nada ter feito.
Viver é encarar o fracasso sem ressentimento
É jogar fora tudo que sobrou de ontem
E se preparar para o tornado que se anuncia no tempo.
É ser assombrado e seguir
É viver sem esperar
É tentar existir sem muito sentir
É estar preso nisso tudo e ainda sorrir
É enfim,
Acordar e enfrentar o espelho diante de nós
Sem máscaras, sem falsos reflexos
Sem mentir.