Somos todos 'Deus'

Eu sei de tudo

E todo mundo está errado

Eu sou o caminho, o pão

E a morte inevitável.

Todos têm que concordar

Com tudo que eu digo

Com tudo que eu prego

Na cruz, em forma de espinhos.

A unanimidade é minha

Mesmo quando em contradição

Estou.

A minha opinião é o maior conhecimento

Para a minha eterna burrice

E condição.

Entre todas as ciências dos desperdícios

Eu a verdade vos digo:

Ninguém está em salvação

Porque todos estão sob negação

Todos estão mentindo.

E esse niilismo já é antigo

E já matou os meus grandes heróis

Por ouvirem os seus corações

Por arriscarem os seus espíritos

À moralidade sem juízo

À sacristia do extermínio.

Nessa inter-ação instantânea

Eu fujo para o meu mundo

Em paralelo com a realidade

Tão desumana e imunda.

Em meu aparelho eu sou outro

Aquele sujeito não-aceito

Não-ouvido na luz

E adentro de minha escuridão

Eu liberto os meus maiores monstros

E dou continuidade ao assombro

Que paira em minha solidão.

Entre muitos e tantos

Não somos mais seres coletivos

Somos seres logados e angustiados

Pagando a nossa miséria

Com bônus e créditos.

Em busca de paliativos

Usamos as pessoas

Amamos as coisas

Descartamos as relações.

Somos tão oniscientes

Cheios de razão

E onipotentes por trás de um avatar

Vamos criando juntos

Campos cibernéticos de concentração.

Sabemos de tudo a um clique

Estamos em todos os lugares,

Navegando,

Explorando a nossa estupidez

Sem limites,

Cheios de ódio no coração.

Acreditamos em Deus por tabela

É esteticamente exigido

Nessa moral imoral vigente

Tão derrotada pelo Capital.

A essência do Caos

É manter as aparências

E num baile de máscaras

Vamos atuando até não restar

Nenhuma lembrança de nós mesmos

Um nada nadando em minha existência

Sem pressa para descansar.

E Deus sou eu

E ele habita em mim

E conforme eu penso,

Ele obedece e consente.

Na apoteose da maldade

Eu me divirto

Eu excluo, queimo, decapito

Quem atravessar o meu lugar.

E num ritual profético

Condeno todos que não pagam em dia

Os seus dízimos

As suas vidas em devoção

A um Cristo morto por mim

Por todos desta nação.

Em cada ignorância,

Um deus personalizado à gosto

Do cliente que deposita sua fé

E sua vida em uma ilusória esperança.

Somos todos juízes da moral

E não mais sacerdotes de um Deus celeste.

Deus está morto!

E do pó retornou, como viestes.

Eu sou um deus

E Deus é vazio como eu

A minha imagem e semelhança

Ele se tornou

E para a minha exuberância,

Ele aprovou.

Minha vaidade move montanhas

E condena os negros e pobres

Sexuados imorais

Mulheres e crianças.

O meu deus é o mais belo

E nunca está acima do peso.

E vão para a forca todos aqueles

Que transgridem as nossas leis

Da falsa alegria a imensa solidão

Nós somos a geração do vazio

Do pensamento à ação.

Emoções estéticas em nenhum sentimento

Passos controlados por anúncios em outdoors

Somos um rebanho de ovelhas burras e cegas

Movidos pelo dinheiro e pelo sistema

Que nos completa com sua ganância

E nos enche de propagandas.

Viram manchetes em telejornais

Mulheres desobedientes

À sua cultura excludente

Pagando com suas próprias vidas

O preço de não serem mais submissas

E não pedir mais permissão

Aos donos de suas marcas pelo corpo

Aos donos da cultura da opressão.

Para as grades,

Vão todos os negros e pobres

Os feios e os loucos

E para matar o tédio dos playboys

Um mendigo é queimado vivo

Enquanto dorme debaixo de um poste.

Da dor, nos saciamos

Do sofrimento alheio,

Enriquecemos.

E como idiotas vamos acreditando

Que nada demais está acontecendo.

Uma vida cheia de ilusão

Uma mera vida desencantada com o meio.

E nessa genealogia da perversão

Vamos imbecilizando todos os robozinhos

Brincando com suas armas nas mãos

De bandido e mocinho,

Num enredo sem fim,

Para esse eterno filme de puro terror e ação.

O céu virou produto

A religião é uma mercadoria

E a minha igreja é a maior de todas

Num cristianismo da ostentação.

Eu te prometo riquezas vendendo

Eu saro suas feridas com o seu cartão

E de crédito ou de débito

Eu percebi,

Deus se tornou um ladrão de almas

Cuja bondade em abundância

É uma farsa e manipulação

Para os eternos angustiados desta prisão

Chamado de mundo,

Sem chance de uma saída para toda essa escuridão.