Inadequado

Quero partir sem saber para onde vou

Quero fugir sem saber para onde ir

Cansei do peso da consciência

E sua dor.

Quero o entardecer e não a noite

Quero dormir e não ter que acordar

Quero sumir de tudo e de todos

Quero desaparecer de mim.

Filho indesejado

Gravidez indesejada

Problema ao acaso.

Nunca encontrei algum lugar

Para sentar e respirar livremente

E através do vento

Receber o sopro de fôlego e vida

E assim, renascer novamente.

Filho da negação, da rejeição

Do ódio, do patriarcado

Nunca encontrei conforto

Um abraço apertado

Um carinho sem posse

Um afago por afago.

Eu fui reduzido ao silêncio

E não me deram nenhum espaço.

Eu sou a anti-existência

Desses animais vaidosos

Dia após dia

Vago pela cidade como um pensamento

Que não agrada

Que não alegra

Que se descarta.

Pairo sobre as sombras dos pensamentos alheios

E me perco nas nuvens escuras

Que sobem ao meu espírito

Enquanto todos compram sua alegria

A felicidade do momento.

E não encontro paz

Não encontro silêncio.

Meus sonhos escorrem pelos meus braços

São caminhos mortos por dentro de mim

São só delírios de um grande neurótico.

As marcas saltitam

As cicatrizes dizem que há muito que sentir

Que nada acabou

Ainda.

Inocência esquartejada

Ingenuidade mutilada

Eu tento me agarrar a alguma fantasia

E sobreviver.

Quem sabe um dia eu hei de vencer

Essa guerra dentro de mim

E reconheço que somos todos suicidas

Buscando o nosso próprio enterro?

Razão que entorpece a mente

Que adoece o espírito

Emoção que destrói o coração.

Eu sei que a vida é uma tentativa incessante

De fuga da própria vida

Por isso amamos uma ficção.

Idéia rejeitada

Fora de moda

Eu sou um suicida ambulante

Em um corpo condenado

Em um mundo assaltante de almas

Que vagam sem espíritos

Como verdadeiras máquinas

Do Nosso Santo e Padroeiro Capitalismo.

Pensamento indesejado

Eu insisto nesta morte lenta

Que me parte em mil diariamente

E eu já não ocupo só este corpo.

Eu sou tudo e todos

Eu estou em todos os espaços

Em pequenas gotas de tristeza e melancolia

Se reconstituindo em milhares de pedaços.

Viver não é necessário

A vida já é causa perdida há muito tempo.

E quem insiste em pensar,

Pede para morrer mais

E em boas doses constantes.

Melhor é assistir tevê

E fingir que tudo não passa de uma ficção

De uma novela que não tem fim

E esperar o messias nos trazer

O fim desse filme de terror e ação.

Minha essência não é bem vinda

Num teatro de personas brigando por poder

Sem lugar e espaço para sobreviver

Ela foi exilada

E extinta de se exercer,

Sofre calada,

Por não poder fazer sua morada

Num mundo de frieza e indiferença

Onde é pecado sofrer.

Desfilamos todos os dias

Como num baile de máscaras

Onde cada espetáculo vivido

É um aperitivo e um convite

A uma vida vazia

De ações sem pensamento

De uma vida sem vida

Que se sujeita, serve e obedece

A soberania das aparências

Dos ditames da vida puramente estética.

Nadando contra a cultura

E contra a correnteza

Eu sou o inimigo do bom senso

Do normal e do comum

Uma dinamite a explodir a qualquer momento.

Sofro as sanções

Pago o meu preço

Mas ninguém cala a minha voz

Nem detém o meu pensamento.

O conhecimento praticado para a dignidade

Para o respeito a diversidade

É a única maneira de amenizar este sofrimento.

Estéril numa fecundação de objetos servis

Eu sou subjetividade e não dessubjetivação

Improdutivo num sistema cruelmente produtivo

Eu vivo a queimar as embalagens

Dessas vidas de plásticos

Cheios de etiquetas de promoção

Na era da Publicidade,

A se destruir, se destilar

Ao se consumir.

Tentam me calar

Tentam me deter

Tentam me submeter

Mas a dor do meu grito é mais forte

E não sabe se render.

A passividade diante do medo

É a raiz da submissão

A origem da omissão

Em meio a vida em massa

Segue servindo e obedecendo

Pastores, patrões e donos do pensamento

Mantendo o espírito coletivo de rebanho

Banalizando todo tipo de maldade

Em nome de qualquer deus

Afim de manter a cultura do extermínio

Do aniquilamento.

Dentro do furacão

Eu sou o maremoto

Dentro do vendaval

Eu sou a chuva que molha os robôs

De verdade e de dor

Para tirar-lhes da real ficção.

Nesse céu que habita um deus perverso

Eu sou o anticristo melancólico

Um anjo rebelde em constante revolução.

Em vez de zonas de confortos

Eu busco a razão

E a paz no meu coração.

A toda manifestação de tentativa

Interditaram-me

A força de qualquer passo

Empurraram-me

Ainda resistente,

Me jogaram ao chão.

E agrediram-me.

Eu sou a manifestação contra o conformismo

Eu sou o oposto “das coisas como são”

Em mim mora um abismo

Que se chama solidão por sentir tanto vazio

Em meio a multidão.

Sou a loucura numa civilização tão animal

Sou inconstante numa raça em constante

Destruição.

Sou o melhor e pior de tudo

E de todos

Quando ouço a voz dos excluídos

Quando ouço a minha dor

Que nega a se calar

E servir de degrau

Para a nossa eterna auto-destruição.

Sou a voz que ecoa liberdade

Num campo de concentração

Uma luz fraca no fundo do poço

Uma possível ilusão ou força

Dentro de um mundo excludente

Entorpecente de almas

Em nome da tradição

Do padrão

Para a sua infinita lógica de exclusão.

Eu sou a ovelha negra

Neste rebanho de ovelhas brancas

Que se devoram como verdadeiros lobos

Pregando o seu grande mártir numa cruz

Para criar um CNPJ

E acumular riquezas da ignorância alheia

Que sustenta o sistema com arrogância e poder,

Para nunca dar fim a todo este sofrimento.

Eu sou o filho negado

Expulso do paraíso

Por ser inadequado.