Nossa Derrota

Sob a rachadura da luz novamente

Eu não consigo olhar para você

Dói como a dor do parto

Como ser expulso do paraíso.

E eu estou sendo castigado

Por me permitir ao pecado

Ter te amado como te amei

Ter acreditado em tudo que você disse

Ter criado um mundo seguro para mim

Desta vez.

Aconchegado em meus medos

Eu volto a sangrar em meus pesadelos

E não sinto mais você por perto.

Eu estou assustado

Sufocado em minhas lágrimas de luto

Abandonado nesta cama de casal imensa

Eu não sinto mais o seu cheiro

O calor do teu abraço

O sabor dos teus beijos

Recheados de carinho e desejo.

Imobilizado por meus traumas

O nosso sonho agora é lentamente torturado

Por tudo que você disse

Por tudo que eu não quis ouvir

Por tudo que você é.

Com você eu pude atravessar os vales da morte

Sem medo.

Pude tocar o céu e ver a face bela de Deus

Eu ouvi os anjos tocarem canções harmoniosas

Que me revitalizaram o espírito

E me deram fé para acreditar na vida.

Você segurou a minha mão

Quando tive que enfrentar a minha escuridão

Enxugou minhas lágrimas quando estava preso

As sombras que me mantém refém de mim mesmo.

Você foi a minha única força

A minha fé na humanidade

Agora é o veneno que corrói as minhas artérias

E entope minhas veias.

A dor já é uma velha conhecida

Então eu saboreio cada gole da doce decadência

Da nossa gloriosa derrota

Da nossa grande ilusão impiedosa.

Eu me arrasto até a janela para ver

Se a luz do sol ainda brilha

Ele queima minha pele

E tudo parece tão real.

Você anestesiou o meu mundo adoecido

E limpou o meu céu nublado

Agora eu me rastejo em minha própria pele

Deixando pelo asfalto

Todos os meus grandes votos e desejos.

À noite eu tento contar o quanto de mim se quebrou

Inútil, eu nunca estive verdadeiramente inteiro.

Mas você me fazia sentir forte

Capaz de enfrentar e vencer essa guerra

Que eu travo com o mundo desde cedo.

Afastado da fresta que se abriu

Do raio de sol que me abraçou

Eu busco a saída em meio ao meu próprio caos

E não encontro a cura deste sofrimento.

A minha esperança se encolheu

Seu caule enfraqueceu

Suas pétalas dormem um sono profundo

Que o destino não escolheu.

O sopro da morte é inevitável

Aos que já nascem mortos.

E a cada estação,

Dona da Vida se esconde

Para nos enganar.

Cada despertar é um dia a menos

Quimera eu viver só de delírios

E eternamente sonhar.

Meu coração não suportou

Se rendeu.

Minha mente se abriu a todas as nossas brigas

Que no cotidiano o pensamento rasteiro escondeu.

Todas as resignações e anulações

Estão expostas como as minhas feridas agora

Tão expostas quanto as minhas lágrimas

Que escorrem sem afago

Sem uma palavra viva

Ou um silêncio compartilhado

Ao lado do amado.

O tempo não engana

E também não apaga

Quem acredita muito nele se cansa

E cai em desespero.

Mas há de cair gotas de tristeza do céu

E com ela formar-se canções entorpecentes

A alegria estará ausente nessa melancolia

Mas eu permanecerei presente.

Não podemos fugir da dor

Ela nos prende ao passado

Corrói o presente sem previsão

De um bom futuro.

Eu caio em minha eterna melancolia

E me rendo ao meu próprio reflexo

O meu fracasso é iminente

Eu sempre vou combatê-lo de frente.

Da janela o céu troveja

O medo da solidão é atroz

A minha memória é o meu algoz

E eu já nem sei se chove mais fora

Ou aqui dentro.

O meu céu se partiu

Mas o meu mundo não se abriu

Eu estou inerte.