Incompleto

A ventania do sul sopra medos noturnos

Em meu perturbado silêncio.

Abro a janela para ver

Se a beleza da lua ainda me contempla

Vejo as pétalas da minha rosa branca

Caindo lentamente

E num chão frio,

Morrer.

Ah, a lua hoje está tão cinzenta!

Quimera se eu pudesse limpar sua tristeza

E num varrer mágico lhe devolver o sorriso.

O vento compõe uma melodia sinistra

As nuvens escuras se envolvem em torno da lua

Deixa-a sombria e lacrimosa

Deixa-a insegura e melindrosa.

Mas hoje não é noite de primavera?

Cadê minhas rosas vermelhas de sangue de paixão?

Suas pétalas estão pretas

Molhadas numa terra seca

Em coração estéril

Numa alma infértil.

O amor faz viver e morrer?

Que suicídio mais procurado e vivido com prazer!

Somos completamente insanos

Dentro de nós

Em volta do outro.

Desconhecidos de nós mesmos

Inimigos de nossas sombras

Tememos o amanhecer

E nos drogamos ao anoitecer.

Meu jardim de flores mortas

Compõem uma harmonia triste

Enquanto o frio insiste

Em esfriar-lhes o espírito.

Suas pétalas dançam involuntariamente

Ao som da fúria do vento

Que lhe arrancou o caule

Tirando-lhe a vida tão precocemente.

Os galhos das árvores tremem

E gotas de orvalho caem no chão frio

Sem alma.

É o coração dos animais vaidosos

Cheios de ódio e vingança.

O amor, a paz e a esperança

Estão a viver sós em meu cais.

Se os galhos se partem

Se vão ou se ficam

Mal eles sabem

Que em mim jaz a vitória

Da beleza contra a tristeza.

Fruto de ódio e compaixão

Nasci poeta

Rico de sensibilidade e emoção

Pago as contas de todos os mortais

Enquanto abutres passam por mim

E defecam.

Espírito sem consolo

Alma sem festa.

Corpo prostituído

No esquema escuro do sistema

Sou a feridas que não se cura

Não se fecha.

O amor passou sempre longe

Quando me atingiu

Havia esbarrado em meus cabelos

Mas não desejou o toque.

O cupido nunca gostou de mim

E deveras sentir asco.

Deitado à noite,

Rezo para a Deusa da Morte

Que leve embora todos estes pesados sentimentos.

Eu ouço o vazio

O desespero ecoar no silêncio

Estou sozinho

E morto por dentro.

Minha alma já não suporta

Intensos pensamentos

Que carregam injustiças, desilusões

E a morte de todos os cegos, mudos e surdos

Vivos acreditam estar,

Neste momento.

Minha mente não suporta

Meu corpo se prostra

Diante do meu sofrimento

Eu me rendo e peço paz

Eu quero a minha vida de criança de volta.

Onde nada me doía tanto

Onde os meus pensamentos ecoavam livres

Sem repressões em minha imaginação

Dando vida a todo tipo de imaginação.

Me fazendo feliz

Me fazendo alegre.

Perdido nas lágrimas de sangue

Que perfuram o meu coração

Nessa coroa de espinhos,

Eu sou a negação

A doença, o defeito

De tudo que é real mas é pura ilusão.

Como Kafka,

Eu sou visto como um inseto

Invisível sou neste mar deserto

De respeito, compaixão e bons afetos.

Sinto minha vida queimar em multidão

Se rastejando neste asfalto quente

Queimando minha carne e meu coração

Eu já não suporto ver tanta destruição.

Será que irei sangrar em todas as ruas que passar

Até o fim dos tempos?

Amei errado, amei certo

Expus minhas feridas

Me escondi quando fui ferido

Amei também, de corpo e alma

De peito aberto.

Encontrei jugos desumanos

Prisão e mágoas sem consertos.

Agora sou órfão de amor novamente

E por isso implodo de sentimentos

Que fervilham em mim

Sou 8 ou 80

Sou intenso.

Por um momento na janela

Esqueço-me do meu jardim esquecido

Da primavera que não floreia na minha escuridão

Da lua que chora em trevas de nuvens escuras.

Me sinto tão refém deste mundo!

Queria voar junto do vento

Quem sabe encontraria a solução para estes pensamentos?

Voando por céus azuis e cinzentos

Conheceria as dores e os gozos de cada momento?

Mas a dor da consciência

Me esfaqueia

E me toma por dentro

Eu não posso desistir agora,

Mas eu estou caído

Sem anjos ao meu redor

Sem o carinho de quem amei

E me agacho de dor

Como um caracol imerso em seu sofrimento.

Ó Deusa do Amor!

Não vês que estou padecendo?

Existe fim ou cura para tudo isso?

Ou essa dor não passa de um delírio

De um poeta se esvaindo?

Estou cansado de vagar por dentro de mim

Procurando o que nunca tive

O que nunca encontrei

O que de certo, talvez,

Nunca terei.

Enquanto as pétalas caem em desalento

Minha rosa branca de esperança se avermelha

E como ela, eu me ajoelho

E imploro:

Ó Deus, por que demoras?

Por toda a minha vida

Eu só quis me sentir seguro

Em um mundo real

Em um chão com muros de concreto.

Eu só peço que me protejas de mim mesmo

Eu já não sei o que me tornei nem o que sou

Por isso desça, por favor!

Eu estou caindo em tentação

Eu estou sendo levado por minhas sombras

Que me amam desde pequeno

Então não demores,

E me sopre fôlego real de vida

E limpe minha mente

De todos estes sombrios pensamentos.

Pois desde que abri os olhos,

Tenho me sentido rejeitado

Esquisito e solitário.

Eu não sou nem a metade do que desejo

Nem a metade do que sonhei

Nem a sombra dos meus sonhos.

Eu sou o seu filho mais vazio e incompleto.