Crueldade

Sentado no banco do parque observava a bela paisagem e as crianças correndo sem direção definida, apenas no infantil desejo de brincar e se divertir.

“Como era bonita a existência nessa fase da vida”, pensei, virando o rosto quase que instantaneamente, distraído por um pássaro barulhento e notadamente feliz que acabara de pousar na árvore ao lado.

“A felicidade é degustada em momentos como esse”, refleti, ponderando em seguida que a vida é repleta desses acontecimentos dos quais valem a pena estarmos vivos.

Respirei fundo, fechei os olhos, e infelizmente as imagens que desgraçaram a minha vida voltaram a povoar a minha mente. Elas já estavam comigo há um bom tempo. Abro os olhos e inevitavelmente lágrimas começam a escorrer pelo meu rosto.

Não consigo acreditar, não consigo aceitar o que aconteceu. A dor é imensa, brutal, avassaladora. E como era de costume, naquele instante estava novamente desestabilizado, fragilizado e completamente desmotivado sobre qualquer sentido que a vida poderia vir a ter.

Desde o acontecimento que dilacerou o castelo dos meus sentimentos afetivos, eu lutava diariamente pelos momentos nos quais eu conseguia de alguma maneira esquecer o que havia ocorrido e angariava forças para seguir a minha triste jornada.

Imaginava que o tempo traria sapiência e que a escuridão que por vezes tomava conta do meu ser iria se esvaecer aos poucos. No entanto eu estava enganado, o desgosto somente aumentou com o passar dos dias.

Atormentado pelos meus demônios, sinto uma bola tocar na minha perna, abaixo lentamente e a pego, olhando em seguida para os lados procurando o seu dono.

Vejo uma garotinha em minha direção, devia ter aproximadamente uns 5 anos, estava em uma cadeira de rodas, sendo empurrada por uma senhora de meia idade, usava uma máscara hospitalar e não tinha cabelos, apenas o olhar de uma criança escondida naquele frágil corpo adoecido.

Engoli em seco, arregalei os olhos. A senhora pediu desculpas e a criança fitando-me meigamente esticou os seus bracinhos, marcados por diversas picadas de agulhas, acenando fragilmente com a cabeça como se implorasse para que eu lhe entregasse a bola.

Sem pestanejar agarrei a bola com toda a força e corri, corri o mais rápido que pude e sem olhar para trás, sentindo o vento batendo no meu rosto e a dor ruir a minha alma.

E assim, enquanto eu ouvia ao longe o choro de uma criança e os gritos daquela senhora, consegui compreender, aos prantos, a crueldade de ser Deus.