Este corpo não é meu!

Eu nasci neste corpo.

Mas ele não me pertence.

Ele é seu.

E para o seu uso estético-moral.

Quando ainda me encontrava no útero

Muitos planos a mim se imaginavam

Muitas expectativas a este produto embrionário

Já estavam sem o meu consentimento

Sendo ditadas.

Ao chegar à fábrica dos corpos

Fui carimbado:

Com raça, cor e gênero

E se eu andasse no caminho “mais largo”

Eu conheceria o estigma, o preconceito

A angústia de ser o “meio termo”.

E como em toda indústria

Meu corpo foi educado para se vender

Ser atuação de troca

Totalmente descartável.

A mulher que vende o seu corpo e o sonho estúpido

Em troca de um “amor de homem” em sua cama

O negro que após ser obrigado a se escravizar

É odiado e enforcado

A criança que vê isso tudo

E acha “irado” ver o outro cair

Para se ascender.

Nas chaminés das fábricas

Fumaças vermelhas de sangue

De todos que estão morrendo

Dando sua alma, sua psiquê

A troca de um carro, um marido

Uma esposa e um bebê.

A fumaça escura que contaminou o céu de Auschwitz

Cai sobre nós em forma de chuva melancólica

Onde a vida não é vista como vida

Mas como fonte de interesses

E de reprodução de ódio.

O senhor branco é o nosso deus

E ele vem sempre nos torturar

Sob sua verdadeira palavra

Quer nos santificar

Em água podre de todo cadáver humano

Queimado até hoje pela Igreja.

A sua doutrina é amar

Como um pai que mata o seu filho

Por temor e obediência

Instaurando o caos em nossa essência.

Cárcere de meu próprio corpo

Eu fui tomado pela prisão da negação

E na submissão eu já não era eu

E sim o outro

Para a manutenção da escravidão.

Eu não nasci para mim

Nasci para os olhos dos outros.

Eu não me pertenço

Pertenço aos seus olhos

Que sugam a minha liberdade

Me tornando um estranho em mim mesmo

Um robô cheio de defeitos

Porque a fábrica produz a lógica da exclusão

E para todo defeito de fábrica, uma razão:

Separar o joio do trigo

Para que os outros não se percam

Nessa condenação à sua própria forca

Sob qualquer objeção.

A obediência é a força

Que nos mantém nessa eterna prisão.

A natureza dos corpos deixa de ser natural

E passa a se chamar aberração.

E assim, a ferro e fogo somos torturados

E vamos carregando todo um peso inútil

De uma vida miserável por não questionar

O certo, o errado, o comum e o padrão.

Levados pelo bom-senso

Caminhamos com uma lanterna

Em meio à escuridão

Procurando monstros que não existem

Pois já tomaram conta do nosso coração.

E sob esta ilusão

Nos rastejamos sem luz nessa direção

Que nos cega sob uma fé mortal

Que só nos entorpece a razão

Nos levando à beira de um precipício

Onde só encontraremos o caos

O Caos e os seus súditos.

Ao nascer, uma missão: reproduzir

Reproduzir a lógica da produção

Re-produzir o sistema corpóreo-prisional

De suas liberdades individuais

De suas atividades prazerosas

Em benefício do capital.

E prostituindo nossa existência

Vamos nos tornando débeis mentais

Até não restar nada mais.

Zumbis caminhando livres ao dia

Destruindo tudo com o seu canibalismo

Seguem fieis as ordens do patrão

E então alimentam somente os monstros em si

Praticando todo o ódio gratuito

Contra quem não abre mão de sua razão.

A sanidade está nos loucos

E da insanidade coletiva é que sobrevive Caos.

Gaia está morta!

Caída por terra em seu próprio corpo

Em sua própria terra.

Enquanto isso Ares faz a festa

Sem nenhuma resiliência

O mundo subterrâneo está lotado

Os espíritos atormentados

Sangram em seu santo sacrifico ensinado

Arrebatados por Thanatos

Sem nenhuma insistência.

E ao som enfeitiçador de Hipno

Seguimos diariamente hipnotizados

Entregando nossas almas ao mundo de Hades

Sem fazer nenhum alarde.

E num culto fervoroso e doentiamente devoto

Vamos caindo eternamente nestes braços sombrios

Que aqui dizem que é o Paraíso

Quando sentimos que na verdade

Não passa de um belo e eterno castigo.