Fim da Estrada
Há um caminho
Sem saída
Para todos nós.
A estrada é um breu
E nela moram-se milhares de fantasmas
Nos aterrorizando
Nos estuprando a vida
Nos enlouquecendo
Nos conduzindo a iminente morte.
Enquanto percorremos
Memórias nos perturbam
Trazendo o cheiro do passado ao vento
Nos angustiando
Tornando-nos sombras de nós mesmos.
O céu está tão longe
E tudo que acreditamos escorrem em nossos olhos
E correm como águas correntes
De um rio triste que não desagua
Contendo toda a sua tristeza nas profundezas
Da já congelada alma
Por tanta frieza.
Cegos pelo horror banalizado
Contemos nossas dores
Chorar parece fraqueza
A indiferença faz parte do grande espetáculo.
A estrada parece ter mais buracos
Que solo firme
O chão parece movediço
Onde caímos o tempo todo
Enquanto agonizamos de dor e angústia
Com tantos medos.
Nossas mentes
Parecem estar desassociadas dos nossos corpos
O espírito longe de ser visto
Acena de longe.
Somos meros corpos.
Sem pensamento algum,
Sem voz.
Enquanto caminhamos
Um gole a mais
Um comprimido anestésico
Um sorriso falso e decadente.
Ninguém se importa o bastante.
Ninguém quer saber realmente.
Então corremos para nenhum lugar
Nem saber aonde queremos chegar
E nessa desilusão com a vida e com o tempo
Deixamos os monstros nos guiar
E para o precipício
De mãos dadas
Somos levados
Como um grande e obediente rebanho.
Andamos sem respirar
Sentimos sem nos importar
Olhamos sem enxergar
Somos tão modernos e conectados
Só não somos humanos o suficiente
Para nos abraçar
Para nos amar.
A civilização é uma grande peça forjada
Para colocar debaixo do tapete
Toda a nossa perversidade
Toda a nossa apatia
Toda a nossa maldade.
Num puro egoísmo
Prendemos pássaros
Que querem ser livres
Numa ganância desenfreada
Queimando nossas matas
Para vivermos trancados
Em prédios cheios de câmeras
Que nada adiantam
Quando o caos chega com o seu ódio mortal.
Para alimentar a nossa vaidade cruel
Matamos milhares de animais
Para manter no pedestal
O glamour daqueles que são a nossa sagrada escória.
E numa crise existencial
Caímos em um buraco que não vimos na estrada
Cegos pela propaganda
Cegos pelos nossos insaciáveis desejos
Conhecemos o abismo de nós mesmos
E adoecemos.
E para fugir de toda culpa e remorso
Um antidepressivo
Uma fuga no álcool
Uma transa barata
Um acidente no trânsito proposital.
E quem sabe,
Um suicídio.
Fugimos de nós mesmos
Enquanto passamos por esta estrada
Que se chama vida
E que se torna morte
Por causa do nosso individualismo selvagem
Por causa da devota imagem que não somos
Por causa da idéia reconfortante
De acreditarmos que somos bonzinhos o suficiente
Para amarmos uns aos outros nos matando
E sorrindo vamos dizimando tudo que odiamos
Sem fingir.
A nossa maldade, o nosso ódio é verdadeiro
E neles não precisamos de máscaras
Nem maquiagem.
O horror é o que somos.
Ao lado de um deus que só odeia e exclui
Em nome do Pai
Do Filho e do Espírito Santo.
E num solo movediço
Estamos
Gritando em meio ao silêncio que nos apavora
Odiando todos em nossa agitação diária.
Bebendo uísque mas envenenando o espírito
Queimando toda alma.
E que se dane o fígado.
Somos como gelos no copo que seguramos
Derretemos a cada instante
A cada momento
Nossos laços são líquidos
Nossos afetos são tão rápidos como o degelo.
Compramos a idéia
E mantemos a propaganda
Consumimos as pessoas
E financiamos a nossa solidão
Fomentando o nosso desespero.
Alienados de si e devotos dos objetos
Nos tornamos robôs.
Os sentimentos ficam para a noite
Quando ao deitarmos
Ouvimos os fantasmas que ignoramos
O dia inteiro.
O outro é só mais número
E dele tenho que explorar o máximo
Para que eu chegue a algum lugar neste mundo
Para que eu chegue e fique sozinho
Porque matarei todos
Que tentarem manter um laço humano
Que queiram de mim um afeto
Um sentimento.
Na busca insana por objetos
Nos objetificamos
E nesse elo autodestrutivo
Ninguém sai vivo
Ninguém sai ganhando.
E assim vamos perdendo a fé
A esperança nesta vida
Que só é morte diária
Porque optamos pelo status
Em vez da simplicidade
Do amor verdadeiro.
E assim vamos nos perdendo de nós mesmos
De outras pessoas que nos amam
Mantendo o nosso ego no centro de tudo e de todos
Para a aniquilação da nossa espécie
Para a extinção de todos os afetos.
E para o fim da estrada chegamos
Sós e infelizes
Mas sorridentes em frente às câmeras.