Ele Escreveu Um Poema

Ele era um cavalheiro, não menos importante que qualquer outro. Seu rosto, contudo, invisível, ou apenas ausente, era seu maior charme, sua característica tão marcante. Nos ares de sua cidade, cheia de cinza e vazia de gente, ele acomodava em seu próprio peito um coração pulsante. Tão vivo era seu coração que pulsava, pulsava forte, violento, pulsava intensamente por um sorriso. Sorriso, entretanto, advindo do mundo, advindo dela, externo ao seu próprio conceito de mundo, ao seu mundo vazio.

Ela era uma princesa no sentido parcial do termo. Há quem se questione o que quer dizer ser, parcialmente, uma princesa e, admito, questionam com razão, pois também não bem sei. Sei, todavia, quão abandonada ela foi, pelo mundo, agora a se perder nos emaranhados de falas e bocas e cheiros e línguas e olhares e toques. A se perder não mais, porque ele a achou e ela se achou nele acolhida, encolhida, aquecida.

Aqui começa minha incompetência em reproduzir os erros e acertos de ambos os lados, de ambas as faces. Trocaram muitas palavras, não como num escambo, ou como um comércio, mas como num amor, como nenhum comerciante, ou explorador, conhecerá jamais. Exceto talvez por mim, que sou explorador, comerciante e criador.

Num instante, todavia, não pude hesitar, observei no coração dela adentrar grande e forte espinho, qual se pôs a falar. Falava de forças mil, de todo o intento vil, qualquer desejo pueril, sobre o fazer e trajar e andar e viver do cavalheiro misterioso que feriu. Cotejei, comparei e avaliei, encerrei por depreender a dor desigual qual a moça expôs-se.

De coração roubado, ou ferido, ambas as partes de um belíssimo acordo, amicíssimas, agora eram nada menos que fragmentos do que fora, por despetalar o relacionamento inteiro. Ela tomou coragem e partiu, sob a chuva refletida, a molhar-se inteira, apenas em busca do pulsar original, já desaparecido. Ele, desatento, perdido em novo ritmo, deixou-se levar por algo mais que brincadeiras; ele se deixou levar por boas conversas.

Na refletida chuva uma chamada serviu para avivar, é certo, um novo nome, um novo olhar, um novo sorriso. Focando no olhar, sabe-se que foi capaz de tirá-la, no nevoeiro de seu íntimo, do clamor pungente de sua alma. Acolhedor igualmente ao primeiro, jamais se saberá. Valioso é dizer que do ditoso jovem se fez renovada aventura e respiração agitada. Sem direito a recapitulação, ou modulação, ou exposição, esta sonata que vos apresentei ficou, por assim dizer, demasiado ousada, excessivamente sonora e, no entanto, pouco musical.

Ela gritou, gemeu, ardeu, odiou, por fim disse:

- Vida... Presenteie-me com o amor! – enquanto ele, chorando, no escuro de seu quarto, banhado pelo luar, afogado em suas lágrimas, sussurrou a mesma frase.

Um fim trágico para um rosto bonito. Nada mais justo.