UM MILAGRE ÀS TRÊS MARIAS...

Dali não se trata apenas de ouvir sons em vibrato ressonante que emanam do mesmo sino, poeticamente mecânico, que da torre alta ainda dobra à cidadezina suas eternas horas meias e plenas, simbolizando o som mágico das horas que para mim nunca passaram...a despeito da fatura da contabilidade da vida.

Tampouco se trata de apenas degustar os sons da locomotiva que bem lá de longe ainda acaricia os dormentes velhos de guerra, testemunhas mudas de idas e vindas cheias de histórias de calor humano, de lágrimas de despedidas apenas frente ao término das férias que sempre nos pareciam ser para sempre, caminhos de dantes agora sucateados e responsáveis apenas pela logística do frete do capitalismo despersonalizado e desalmado, o que segue por trilhos descarrilados, sem contudo perderem a poesia...porque hoje sei que essência nunca se perde, apenas se lapida invisivelmente pelos novos tempos sempre vindouros...

Dali sim, se trata de reativar memórias que impregnaram todos os sentidos de e da vida, desde a mais remota infância até a obrigatoriedade da maturidade compulsória que nos traga frente à ingenuidade dos mesmos sons de dantes, os que instantaneamente reavivam memórias nunca esquecidas, dentre lembranças duma infância de flores do campo, de cheiros vários da terra seca ou molhada pela chuva passageira sobre os pomares, como é a vida de todos nós, daquele cheiro do fogão de brasas, do café moído e passado na hora, dos pios de passarinhos felizes pelos ares dum céu de azul translúcido, de manhãs de maritacas arruaceiras, de tardes de pombas sujonas, de pôr-de sóis indescritíveis e de noites de lua cheia e bem baixa, aonde o canto da coruja era sinal de plena felicidade para o próximo amanhecer.

Dali se trata de ainda contar estrelas do céu, de rezar às Três Marias, de localizar a Cruzeiro do Sul e de fazer os mesmos pedidos de vida à primeira estrela cadente que cruzasse, como dantes, a noite de alto verão...como se nas estrelas do céu estivessem todos os roteiros de vida ao alcance das nossas mãos de crianças.

Dali se trata sim, de imenso amor familial, de eterno laço, de abraço apertado, de lágrimas engolidas a seco, de contato visceral de alma, de união, de zelo pelo outro, de compromisso, de compaixão, de gratidão, de vida compartilhada de verdade.

E soa mais um novo tempo...

Dali se trata de a cada mais um badalar das horas que ecoam pela cidadezinha, retomar a ilusão de criança a fazer um pedido urgente ao céu, inadiável, como se todos os milagres prometidos estivessem ao alcançe da nossa egoísta razão...a de seres sempre apressados pelos desconhecidos trilhos da vida.