A CALÇADA DA LOUCURA
Estou um tanto assustado. Acabei de ver um pobre coitado, sentado, escrevendo como um louco. Na verdade, de são não tinha nem um pouco: Além de pobre, o coitado do morador de rua era completamente pirado. Sentado à beira da calçada, vestindo apenas uma bermuda suja e rasgada, empunhava uma caneta e uma pequena caderneta, e escrevia a esmo o que lhe dava na veneta.
E foi justo isto o meu susto: também escrevo a esmo enquanto o povo passa, parado no ponto de ônibus, na calçada, e também na condução lotada.
Será que pensam que eu também sou maluco? O tempo todo eu futuco o papel com acaneta, também ali coloco o que me pinta na veneta, igualzinho ao pirado da calçada.
Ah, mas comigo é diferente, o que escrevo pode ser lido por muita gente, diferentemente dos rabiscos verbiformes desconexos do doente.
Mas, e se eu escrever alguma coisa ultrassubjetiva, e o leitor não estiver com a mente ativa, e achar que aquilo é coisa de demente? Qual seria a diferença entre o meu verso construído com paciência e o do escrito com a pena da demência?
Do mesmo modo, o maluco também não entenderia o verso mais simples que euescrevesse. Como vou dormir com um barulho desse, agora que suscitei essa questão que antes não me afetava a razão?
Esse critério está ficando já confuso: Se o doido não entende o linguajar que eu uso, do mesmo modo que não entendo o que produz a sua cabeça sem um parafuso, isso não nos torna, então, iguais?
Não, eu me recuso a comparar meus versos viscerais aos registros semi-animais de um cérebro já sem uso.
Ah, mas que tolice a minha, pode ser que apenas uma palavrinha que o parvo escreva seja bem melhor que a minha; a razão, às vezes, é um grande impeditivo de um provável surto criativo, induzido por um cérebro em desespero. Espero, num futuro breve, aprender a escrever como se deve, e aproveitar melhor o meu escrito.
Quem sabe se, à medida que evolua, eu alcance a excelência do morador de rua, e consiga escrever o que fugir da minha alma nua...