ODIO À MUSA dois
Ah, musa, vai-te catar! Estou cansado dessas suas ispiraçõezinhas de meiatigela; cansei do seu papinho mole, dessa coisa tão-que-tão, pro inferno! Aliás, lugar de onde você nunca deveria ter saído. Sei quem você é, pena que demorei pra reconhecer essa maldita voz fanhosa. Agora, não haverá mais escravidão; quebrei os grilhões, decretei a lei áurea, a da mente livre, a do sexagenário poema que escreverei.
Escrevo o que eu bem quiser, a hora que bem entender, sobre o que quiser. E não me venha com churumelas, não caio mais nelas, de hoje em diante, segure velas, você morreu. E antes você do que eu. Não quero nem mais ouvir falar de você, demônio pálido do esquálido matrimônio bestial. Ah, que raiva de mim mesmo quando lembro que fiquei à sua mercê! Que vontade de bater na própria beiça, eu mereço, quanta ingenuidade... Lá estão, em meus alfarrábios, poemas manquejantes, remendados, tortinhos da silva, e eu achava que estava abafando! Só porque você veio e sussurrou, com essa voz imunda,
umas palavrinhas aqui, outras ali, cutucou uma feridinha acolá, só pra me enganar, pra eu acreditar que era sublime a sugestão vinda do seu sopro sulfúrico. Vai embora agora e cale-se para sempre. Não mais poemas tortos, só se eu quiser entortá-los; não mais
poemas mornos, só se eu quiser abrandar-lhes o calor. Não jogo mais fora um poema sequer, não mais. Chega de remendos, chega de escoras, CHEGA! Desça logo ao mais profundo dos infernos, sele o caminho de volta, queime para sempre junto ao seu bestial
e corno marido. Viverei em paz com a arte, aquela que brota da consciência, consciente de que dela precisa, porém como lenitivo e não como maldição. Maldita seja, musa. Vai ver se eu estou lá na esquina.