Mãos

Eram mãos que acariciavam meu corpo

as mesmas que me ameaçaram depois

pedras atiradas sobre alguém as mãos

se apertavam ou se repeliam naturalmente

semente também semearam as mãos

calejadas capinaram o local do plantio

de posse da enxada que também é arma

eram carícias e bofetadas as mãos

mãos incorrigivelmente violentas nas confusões

das mãos o dedo cedido para o tiro certeiro

afagavam o filho as mãos com ternura

mãos que também aplicavam a palmada necessária

mãos atrevidas e indecentes no calor do corpo

com pesadas luvas fazem romper os supercílios

quando leves ganham assim desonestamente a vida

mãos que matam e assinam sentenças -as mãos

que são olhos a tatearem no escuro

nos muros as mãos são a voz anônima

as leis que sem as mãos seriam nada

algemas prendem as mãos e nem sempre são justas

mãos do adeus ao perdão

mãos que conduzem à boca lentamente a embriaguez

na guerra as mãos também são decisivas

mas não tão importantes quanto as que curam -as mãos

mágicas mãos que ao instrumento obedecem

as que escrevem também assim o são -mãos

como na descoberta da sexualidade para o adolescente

simultaneamente mãos encobrem o rosto de pavor

mãos que esculpem e pintam são mãos

divinas assim como as que plantam uma flor

paradoxalmente demoníacas também destroem

mãos ambiciosas e cegas pelo poder as mãos

mãos que de tão valentes são capazes de não esganar

audazes são mãos que nunca agridem

decidem as cabeças e executam as mãos porém

belas são as mãos que despidas nunca se sujaram

e mesmo assim o são -mãos.