MINHA VIDA

Sou um pequeno menino. Corro pela casa cheio de curiosidade. Tudo é novidade, quero conhecer o mundo, é tão bom receber carinhos de minha mãe. Meu pai conta-me histórias na hora de dormir. Gosto de passear no parque com meus irmãos e adoro quando meu avô coça minhas costas e me chama de menininho. A infância é bela. Sou o centro das atenções.

Agora, já tenho 7 anos e posso correr pelos campos e respirar a brisa suave da manhã. Subo nas mangueiras, jogo gude e faço coleção de figurinhas. O quintal de minha casa é meu território. Como é bom ser criança. Sou tão feliz.

Fiz 15 anos. Sou um belo rapaz. Ah! A primeira namorada e a alegria do amor sincero e puro, quase infantil. A felicidade é minha companheira inseparável. Como é bom ser jovem. Quero logo fazer 18, ser maior de idade, tirar a carteira de motorista. O tempo demora demais para passar.

Cheguei aos 20 anos. Divido as baladas com as responsabilidades do estudo. Vestibular, Faculdade. Quero ter uma bela profissão, ganhar muito dinheiro, ter um carro, ser alguém. Quero que o tempo passe depressa para eu me tornar doutor, ser um homem importante..

Aos 25, acabei de me formar. Preciso de um emprego, namoro firme, tenho um carro, a juventude é maravilhosa.

Agora já são 28, tenho um bom emprego, estou noivo, quero casar e ter um lar. Busco o sucesso e a realização profissional. Vou me dedicar muito ao trabalho. Quero ser promovido, crescer profissionalmente. Sou ambicioso e todos acreditam em meu futuro.

Fiz 30, tenho um filho no colo e minha mulher espera mais um. Trabalho cada vez mais, sou reconhecido como um excelente profissional.

Aos 35, sou um homem de sucesso, dedicado, cheio de realizações, ganhei uma promoção e as responsabilidades aumentaram. Não tenho muito tempo para a família. Vivo ocupado em viagens e reuniões. Meus pais quase não os vejo. Não tenho tempo. Eles reclamam. Dizem que o tempo passa depressa. Bobagem. O ano continua tendo 365 dias.

Agora sou quarentão e os primeiros fios de cabelos brancos me dão um ar de seriedade. Cada vez trabalho mais, vale a pena, sou reconhecido e tenho um cargo de grande responsabilidade. Cada vez me dedico mais na minha profissão. Minha família reclama que paro pouco em casa. Explico que são as necessidades da vida. Meu pai morreu. Coitado, trabalhou demais. Vivia estressado.

Agora já são 50, nem acredito, sinto-me tão jovem. O tempo passou depressa. Tenho muita motivação para o trabalho. Os filhos cresceram e chegaram os netos. Continuo sem muito tempo para eles, mas sei que eles compreendem que minha profissão exige muito de mim. Minha mãe anda adoentada. Preciso visitá-la mais.

Cheguei aos 60. Chamam-me de senhor. Não acredito na idade que tenho. Não vi os anos passarem. Sinto-me tão bem. Sou mais produtivo que muitos jovens. Trabalho muito. Não tenho muito tempo para mim. Faço exercícios, ando de bicicleta e vou à academia. Minha mãe morreu. Acho que faz uns 3 anos, talvez quatro. O tempo passa e a gente nem percebe.

Ufa, 65. Ando meio cansado. Já não caminho todos os dias. Deixei a bicicleta de lado. No trabalho fui designado para uma atividade menos importante. O Diretor disse que era um prêmio pela minha dedicação à Empresa. Sinto-me estranho quando me chamam de idoso.

Meu Deus! Não acredito que já estou com 70. O tempo voou. Meus cabelos grisalhos são a prova disso. Ando um pouco deprimido. Tenho medo de ficar doente. Muitas vezes me sinto só. Meus filhos só me visitam uma vez por mês, trabalham muito, são dedicados, venceram na vida, não têm muito tempo para visitar seu velho pai.

Amanhã, faço 80. Minha vista cansada tirou-me o prazer da leitura. Minha mulher morreu. Sinto solidão. Meus netos não me visitam. Um dos meus filhos se foi. O outro nem aparece. Lembranças boas da juventude. Arrependimentos do que não fiz.

Acho que fiz 85. Não sei bem. Esqueço-me das coisas. Ando um pouco confuso. Vivo tão solitário. Minhas pernas cansadas já não obedecem. Tenho dificuldade para andar. Quando eu falo, parece que ninguém escuta. Sinto que estou incomodando as pessoas. A velhice é muito triste.

Tenho quase 90, mas nem sei quem sou. Já não estou tão só. Uma moça bonita sorri para mim. Não consigo retribuir o sorriso. Outras pessoas me cercam, todas de branco. Sou o centro das atenções.

Hoje, sinto uma paz tão grande. As dores sumiram. Já não estou confuso. Minha mulher sorri para mim estendendo seus braços. Sinto o calor de seu corpo e abraço-a com saudades beijando seu rosto. Sou tão feliz.