NO COMPASSO DO TEMPO.

Por Carlos Sena
 
Não me preocupa saber que o tempo passa. Tempo legítimo passa e vira passado e, dentre outras coisas, serve pra nos massacrar com suas pegadas, ou não! Cabelo branco, rugas no rosto, passos lentos. Coisas em nosso corpo que eram duras ficam moles; moles ficam duras. A memória vira vaga lembrança e a espera, com o tempo que passa, vira esperança. Não me preocupa saber que o tempo passa. Prefiro não o seu passo, mas seu compasso. No compasso do tempo o cabelo branco vira prata existencial. O passo lento vai à busca do que já se sabe onde está e por isto não incomoda ao passista. As rugas do rosto são o plissar do tempo no compasso da sinfonia dele executada sem dó maior...
No compasso do tempo a vida vai e vem. Qual ondas do mar, qual balanço de trem, segue a vida cheia de sim, posto que nela ninguém é de ninguém. No compasso do tempo a semente se planta enquanto o fruto da vida se esvai nas paixões desmedidas. Devem ser ruins as paixões medidas. Elas ficam presas ao socialmente aceito e ao politicamente correto, como se do amor não se extraísse a lógica do sentir verdadeiro. O compasso do tempo é destempero dos acomodados. A irreverência do amor não se estabelece na calmaria dos monastérios. Há compassos de tempo e descompassos nos mistérios. Por isto não me preocupa saber que o tempo passa. A real tradução da vida foge como perfume em frasco aberto. Recupera-se um carro, mas o perfume que foge no ar jamais retorna ao vidro. Por isto é melhor deixar o tempo passar. Encarar os cabelos brancos sem pranto. Os passos lentos sem unguentos de desolação. As rugas como o preço de ter sido da vida o sumo – insumo que só os destemidos e crentes em Deus sabem utilizar como forma de felicidade.