Pretensão de pintura por palavras

Breves, fevereiro de 2004.

Segunda-feira de carnaval.

Tempo nublado, preguiçoso, chuvoso.

Cidade de Breves.

As marias-bestas metem o bico

na terra arenosa e ao mesmo tempo

lamacenta das ruas.

Um bem-te-vi espreita a caça

das cabas e mosquitos que passeiam.

Todos concordam: não choverá mais,

por enquanto.

Da sacada, vejo um estacionamento de barcos.

Um homem de short verde

coça a costa no castilho da porta do porto

num sobe-desce agoniado, engraçado.

Se a coceira não sossegar,

o estrepe o sossega.

Santa Maria, Viking,

Ferreira Pena, Lucatelli,

Alex Roberto, Paulo Roberto.

Estes são os barcos que consigo ver os nomes.

Uns simples, outros com pavulagem.

Um barco começa a querer sair:

É a Santa Maria.

Popozando.

Deve ser um dezoito. Como sei?

Deve ser pelas conversas que tenho

com meus amigos de Gurupá.

“Lá vem o Barbudo”

“Como é que tu sabe?”

“É que ele tem um dezoito

que faz um barulho rasgado”.

Rasgado. Vai saber?

Quando a embarcação aponta

na ponta da ilha,

não é que é mesmo?!

E outros. E outros.

Tilintado. Assoviado.

Os motores de barco, concordo, tem personalidade.

Passa agora um rabeta

com pai, filho, motorzinho.

Este é pequenino

mas saliente o suficiente

pra fazer da canoa um prodígio.

Sai o Paulo Roberto.

Deixa eu tentar: este tem

um motor com barulho... sufocado.

Casco grande, motor, um onze.

Não rende muito.

Dono e motor são deprimidos

e correm subindo o rio.

Agora vejo um casquinho de corrida.

Motor onze.

Sassariqueiro. Barulho alegre.

Atrás, ao fundo, observo

navios-elefantes enormes

puxando com a tromba pacotes de madeira.

Um caranguejo ziguezagueia para ajudar

a encher a barriga do bichão.

E lá se vão horas.

Árvores.

Dúvidas.

Será que alguém já tentou

plantar itaúbas para que outros

pretensiosamente possam

versar sobre barcos no futuro?