SAUDADES.


     Que feitiço tens lugar, para me prenderes tanto assim? Corri quase nu pelos teus caminhos, numa infância despida de luxo, de manha, só tuas esquinas e cantos vestiam-me de alegria.
     Que saudades trago no peito! Do barulho de trens que faziam tremer minha casa, tangendo o silêncio da madrugada, nas noites de febre e frio, das auroras envolvidas pelo sereno, quando respirava o orvalho de prazer, do teu sol que brilha diferente, fuzilando-me com raios de esperança, dos teus habitantes que o tornava tão único!
     Que saudades da tua escola, tua professora! Dos teus alegres ocasos, das tardes de futebol, das noites de São João, dos inúmeros amigos, dos namoros, do primeiro amor... Foste o palco onde, quando criança, exercia com plenitude minhas artes: um artista que equilibrava pobreza e satisfação, decepção e estímulo.
     Banhava-me no teu manso rio, pisava em tuas poças d águas, manchava-me no teu barro, subia teus morros e barrancos, por vezes deslizei-me nas tuas ruas descalças, deliciava-me como um silvícola, distante das competições, da ganância, do blefe... só os usava para viver, viver e viver.
     Que saudades das tuas noites! Da tua lua, do horário de verão, dos teus botecos, tua praça, do bêbado irreverente que tanto me divertia e dos teus domingos dourados e tuas manhãs, quando tudo se renovava, exceto minha simples roupa, constante nas missas dominicais.
     Hoje estou distante de ti, mas minhas recordações nos aproximam tanto! Talvez citei acima teus feitiços, ou então falaste-os a mim através de minha saudade. E através dela aproveito também, para dizer-te que fui muito feliz, que te tenho sempre em minhas lembranças, que continuas sendo o refúgio deste que, despido agora de inocência, tornou-se um filho pródigo, um romântico, que recorre a ti, mesmo que seja pela saudade.