MUNDO CÃO

Algumas vezes penso que levo uma vida de cão, um cão adotado e sem pedigree, que sirvo apenas de entretenimento, já vi muitas vezes pessoas terem cães dentro de casa para vigiar o portão, para servir de alarme, preencher aqueles pequenos espaços de tempo vazios, espaços entre um namoro e outro, a chegada do trabalho cansado e um pouco de alento com a festa esganiçada, para lamber o rosto e cheirar os sapatos, fazer companhia durante os dias vazios e um bom ouvido para conversas ruidosas e chuvosas, cheias de granizo, sem necessidade de emitir opiniões.

Quem me dera receber um carinho, um osso que fosse, afinal, minha missão aqui é outra, e assim vou levando, mas me entendam: sou um desses cães que pensam muito a respeito da sua própria condição, de seu valor, e se devo ou não me resignar sob esse aspecto.

Se houvesse uma raça igual a minha seria de orelhas grandes, língua enorme, pelagem escura e curta, bem... Se quiser saber por que, te digo então, para ouvir muito bem, para lamber sapatos e para não chamar muito a atenção, a não ser que um dia eu resolva usar minha língua para emitir respostas acerca do meu dono, e vou perder-lo com certeza, e com que propriedade eu digo: MEU DONO, afinal o que sou eu, e qual é a minha relevância nesse mundo de meu Deus, se nesse mundo-cão as hierarquias se formam até dentro do elevador do prédio ( com certeza alguém vai ser dono e outro alguém vai ser cão), ouve-se: __que me importam os sentimentos, digo: os seus sentimentos, ora, um mundo está girando e provavelmente ao meu redor!

Daí que quem é cão, tem que ceder e a coisa engraçada dessa situação e ver outros na mesma situação e se chocar com isso:__ Mas como ele aguenta isso! Não achou graça né? A graça está no fato de que não vamos montar sindicato nunca.

Nem em comunismo se consegue evitar as hierarquias, tem sempre alguém querendo mandar, ou melhor, representar, tem sempre alguém pensando ser mais capaz, mais culto, mais bonito; e por isso precisa ficar “no foco”, o problema não é exatamente ficar no foco, porque num dado momento, eu vou precisar estar nele, mas, eu preciso trocar de lugar eventualmente, e me dar conta de que o outro é tão importante quanto eu, e preciso fazer o tempo todo, sem ser castigado pelo meu dono, pelo contrário, é necessário que ele se dê conta da transitoriedade do pedigree, dos corações e mentes caninos que necessitam de seu lugar de pertencimento, tudo bem lamber as botas, mas isso tem que ser em acordo e só lá uma vez ou outra tá bom?

Fico pensando nas pessoas com quem vivi ou convivi durante esses muitos anos de vida, sobre amores, parentes e amigos, sobre a urgência, quase um resgate de ambulância, que existe de encontrar em cada fresta a possibilidade de pertencer ao lugar dos donos, e quando se está lá, se pensa que todos os cães são iguais, uma massa que não delibera e existir perde seu caráter individual a partir do momento que se cria a função a que serve o cão, não é à toa que se usa a palavra “cão” para tantas coisas negativas, isso é ruim pra cachorro, só sei que preciso buscar no meu meio, uma maneira de dar menos poder ao poder, de substituir as patentes, de torná-las dissolvíveis no argumento, de trocar de lugar de vez em quando, enfim... Um ministro brasileiro disse uma vez: cachorro também é ser humano! tomara!!!!

Vinícius Magalhaes
Enviado por Vinícius Magalhaes em 05/11/2011
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