Sob o céu de Kabul
Sob o céu de kabul eu vi um reinado chegar ao fim, seus súditos a mendigar nas estradas
Poeirentas, sem rumo vagar.
Na poeira vermelha de Kabul eu vi o sangue inocente jorrar, mulheres maltrapilhas chorar e
crianças sem nada entender.
No azul celeste de Kabul pairava a serenidade, mas nas mãos de homens maus o desejo do sangue e da dor.
Sob o céu dos montes de Kabul eu ouvi os gritos lancinantes, choros desesperados em meio às maldições.
No poente avermelhado do límpido céu de Kabul eu vi a kolba em ardente chama e a mesquita branca a se lamentar.
Sob o céu claro de Kabul vi homens armados matar, vi peregrinos se refugiar, vi tuaregues lutar
Nas alamedas de Kabul eu vi o medo e o desespero, vi ruínas e migalhas de um povo, de uma nação.
Vi burkas inocentes vagando na multidão e os soviéticos com kalinikovskis nas mãos.
Sob o céu de Kabul existia futebol, mas os seus campos se tornaram tribunais de juízes iníquos e religião.
Sob o céu de Kabul se lamenta a liberdade, sonha se com uma vida livre roubada pelos talibãs.
Sob o céu de Kabul eu vi a pequena Marian e a indefesa Laila chorarem abraçadas, desesperadas na busca de um naco de pão.
Sob o céu impassível de Kabul vi tanques de guerras horrendos, mísseis de longo alcance e as assassinas granadas de mão.
Vi o Buda de Bemyan ser despedaçado em nome da religião, vi lojas saqueadas, escolas fechadas e muitos sonhos se tornarem vãos. Sob o céu de Kabul eu vi o Comando do Norte atacar, dizimar, arrasar em nome da libertação. Sob o céu de Kabul eu vi uma bandeira rota, o lábaro do Afeganistão.
Sob o céu de Kabul eu vi um povo maltratado, separado pelas crenças, desnudo de identidade, sem alma e sem fé. Um povo sem saber para onde ir.
Sob o céu de Kabul eu vi a flor tenra morrer, os olhos ficarem opacos e a morte aparecer.
Tudo isso eu vi, sob o lindo céu azul de Kabul.