PARADOXO E TURBULÊNCIA
Numa viagem dádiva de prêmio
saí da América do Sul à do Norte utópica
e a minha moira foi a Europa tropical
em nome da tríade capitalista: eurodolareal
entre abstração, sonho e realidade.
E eu quão descapitalizado que sou
por representação do ofício
faço-me capitalista frustrado
por não me nutrir da mesma ambição
que tantos se nutrem masoquistamente.
Não estou na terra nem no céu
vou no interior da máquina alada
estou no espaço a 11 mil pés
sem asas, mas na da máquina
nesse centenário albertiano
voo-me alimentado de ideias.
Quão insigne me é o homem
mais rico, mais forte e mais poderoso
quão ínfimos são todos os poderes da terra
nessa máquina, como único passageiro,
entre três tripulantes de sempre...
Reflito essa tripulação em batalha
quão suprema a todas as coisas da terra
que trucidam, que dizimam, que matam
em seu heroísmo e bravura de guerra
sem nenhuma peinha de sentimentos
porque não assistem televisão
nem leem jornais, nem revistas
por estarem, viajarem e viverem
por outros e noutros mundos de afã
exceto na terra banhada em sangue.
Contemplo a terra por outro prisma
medito entre o meu silêncio
e o constante barulho da máquina
reflito a minha “superioridade”,
a superioridade dos pilotos, do mecânico
e, acima de todos nós, a de Deus.
Imagino, Deus vendo os planetas
como eu imagino, agora, o homem
mais rico, mais forte e mais poderoso
e me sinto insigne mais que todos
os homens, mais que todos os planetas
mais que todo o macro e o microcosmo.
Porém, os meus versos comportam
toda a minha insignificância de poeta
de filósofo e de homem...
Contento-me, assisto ovelhas aladas
pastando calmamente o verde amazônico
e no Nordeste ovelhas mesmas sedentas
pousadas sobre açudes e rios escassos
debaixo de um sol escaldante de Natal.
As ovelhas aladas calmas e caladas
não suportam a intrusa máquina voadora
adentrar, estupidamente, seu espaço
e passam a dar marradas na fuselagem
do estridente Bandeirante camuflado.
E eu temeroso nesse paradoxo de turbulência.