Loja de Incoveniência

Chovia muito, mas Arnaldo precisava de um cigarro.

Ele amaldiçoaria sua linhagem, salgaria as terras da própria produção

Apenas para dar um trago mágico de seu palito trágico preferido.

Já pensava na caixa, nas cores - o gosto não importa, é tudo igual

Remete a cada desgosto, a cada deslize, a cada arrependimento

Descendo e queimando, matando e satisfazendo

Os mais insistentes pedintes que ecoam dentro da cabeça.

Entrou no carro, saiu pelo portão, desceu a rua

Dobrou duas esquinas, freou bruscamente para evitar matar um pobre cachorro

Que espelhava a busca incessante por algo que o satisfizesse

Com a diferença que sem alimento, este perece

Enquanto Arnaldo procura por algo que se não o ceifar,

Fará parte da lista de razões.

Limpou a ironia da testa, seguiu reto pela avenida

E via apenas as suas lojas favoritas fechadas.

Mas Arnaldo, desconhecendo o conceito de aceitação

Sacou do bolso o próprio celular, e com ele em mãos

Traçou a localização do único lugar

Que estaria aberto pela madrugada, em uma tempestade considerável:

Um posto de gasolina. Mais precisamente a loja de conveniência dentro dele.

Onde encontraria outros tipos de desesperados,

Seja pelos vícios, seja por trabalho

Mas certamente onde encontrará o teu tabaco.

Assim que viu o lugar, a espinha até gelou

''Aonde raios este aplicativo me levou?''

Mas agora já estava longe demais de casa para voltar de mãos vazias

E há tempo demais devorado pelo vício sem alívio

Que a esta altura já começava a tremer-lhe as pálpebras.

Assim que entrou na loja, não o fez

A porta não estava aberta, apesar do vidro fazer parecer que sim

E foi assim que acabamos com um rastro de sangue

Até uma senhora muito educada avisar-lhe que deveria segurar a cabeça para cima

Enquanto todos os outros olhavam para baixo

Dado ao embaraço gigantesco que Arnaldo estava passando.

Primeiras impressões são as que ficam.

E aqui não seria diferente.

Ao virar para agradecer a boa samaritana, recebeu apenas ombros com desdém

Olhou em volta e não havia mais ninguém por perto.

Se recompôs, virou bruscamente, e derrubou uma pilha de enlatados em promoção

Surpresa! Agonia! Irritação!

''Quem foi o idiota que deixou isto nesta posição?'' disse resmungando

Sem perceber a funcionária que o fuzilava com o olhar.

Até ia coletar as latas, mas viu o seu cigarro em disposição

Então deu duas tossidas, bateu a poeira da roupa

Chutou algumas latas para debaixo da prateleira,

E, escorregando em uma delas, caiu, levando consigo uma mesa e duas cadeiras

Além dos guardanapos que plainavam de forma cômica pelo ar.

A essa altura todos já perdiam a paciência.

E outros viciados, que neste meio tempo chegaram,

Entraram, e escorregaram numa estranha linha vermelha no chão

Começavam a ligar os pontos

Quando olhavam para o homem que destruía tudo por onde passava,

Com a camiseta ensanguentada, e dois pedaços de papel no nariz

Que usava para estancar o mesmo sangue,

Que agora estampava a parte traseira das calças

Dos viciados fazendo esta conexão.

Arnaldo bateu boca com quatro pessoas, uma delas agente da lei

Que pairava a mão sobre a arma que descansava no coldre.

Outra delas, uma grávida, recebeu tamanha pressão e estímulo

Que fez sua bolsa estourar.

Ao fundo, os berros do marido, carregando a grávida

Promessas de que aqui se faz, aqui se paga

Pneus cantando em velocidade excessiva.

Arnaldo agarrou rapidamente um salgado, pediu 5 maços de cigarro

Antes mesmo da atendente deixar as latas de lado

Para atender este maldito viciado

Que não apenas arruinou a torre de enlatados

Mas agora também não podia esperar pela porcaria do cigarro;

Maldito viciado.

Tirou o cartão mais rápido do que deveria - transação cancelada

Resmungou, refez a operação, mas a senha estava errada

A fila ia se formando, via-se apenas caras fechadas.

Desistiu do cartão, sacou a carteira, mas não tinha dinheiro.

E foi nesse momento que Arnaldo surtou.

Arregalou os olhos, segurou firme a sacola, e saiu em disparada

Mais ágil que o policial e sua arma

Mais rápido que o marido e a grávida

Entrou no carro, ligou o motor, engatou a ré

Precisou de um punhado de fé para que nenhum dos tiros o acertasse

Ou pior - teus cigarros!

Depois de um tempo, quando tinha a certeza de que ninguém o seguia

Arnaldo gargalhou. Percebeu a loucura que se enfiou.

Mas tanto fazia - teu fumo achou.

E esta era a hora em que tudo faria sentido.

Abriu a sacola, pegou o maço, tirou o plástico

Sentiu o doce cheiro do tabaco

Colocou na boca, tateou os bolsos da frente,

Os bolsos de trás, o bolso da camisa,

O compartimento do carro, o porta luvas

Olhou até mesmo dentro do cinzero

Mas ficava cada vez mais claro

Que Arnaldo esqueceu-se de pedir a porcaria de um isqueiro.

Teve um ataque de raiva tão sinistro e profundo

Que esqueceu que dirigia em alta velocidade pelo mundo

E nem percebeu a colisão que tirou sua vida.

Em meio as sirenes, dos curiosos

Das vítimas, dos chorosos

Um cachorro faminto fuçava em uma sacola

E encontrava um salgado

Grato, de seu jeito abstrato

Por satisfazer a sua necessidade inerente

De sobreviver.

João G F Cirilo
Enviado por João G F Cirilo em 06/03/2024
Código do texto: T8013568
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