Imperatriz
Choveu uma chuva
que lavou o mundo, os tolos,
indecisos e as corcundas
inflamadas das rebeliões mortas.
as vassouras e as árvores,
e as velhas minhas vizinhas,
adornaram-se como se indo a uma festa,
brilhando e sorindo,
molhadas e pesadas deslizando rua abaixo.
Lavando tudo. Levando tudo de casa
minha avó, que há milênios me habitava,
partiu por medo de uma tempestade.
Choveu uma chuva clara que caiu de
um céu negro, e a turbidez
dos olhos se desfez.
Choveu uma chuva cortante
como navalha, riscando
a pele dobrada
e enraivescendo a mente
carcomida.
Choveu nas prisões e sobre
os balões, e sobre as línguas
inchadas os gritos de júbilo
encalhavam.
graves segredos caíram do
céu distante, e por detrás das
mesas e nas camas de hospitais
os homens martelaram o céu,
tentando tapar os buracos
e os desabafos das multidões.
e arrastando os grilhões,
meu avô que há milênios era livre,
sentiu o cansaço de esperar,
e sentiu chicoteando-lhe as costas
o estalo molhado de um beijo.
choveu uma chuva
que lavou o mundo, as bocas,
as estradas e as pessoas
derretidas que escorriam pelas paredes.
Choveu uma chuva ditosa, desejosa
e descontente, que dissolveu as fantasias
e reguardou os sonhos na estante da sala.